O “leito” de vidro do Rio Capibaribe

Essa vegetação fica às margens do Capibaribe, à altura do bairro de Apipucos, área onde – segundo Gilberto Freyre – o nosso “cão sem plumas” corre de forma mais sinuosa. Livros antigos retratam com romantismo as relações que a população do Recife tinha com o seu rio nos séculos passados, principalmente entre o  18 e o início do 19. Naquela época, as classes mais abastadas utilizavam bairros ribeirinhos como Várzea, Monteiro e Poço da Panela como estações de veraneio.  Autores como o próprio Freyre, Mário Sette e Carneiro Vilela  citam suas então águas cristalinas e até os banhos noturnos, que amenizavam o calor das noites de verão.

Por que estou lembrando disso? Vejam só as duas primeiras fotos desse post.  Parece até que as nuvens estão se refletindo em águas limpas, não é mesmo? Recolhi esta cena durante caminhada à altura do Parque Apipucos, que fica vizinho ao Condomínio Reserva Apipucos, defronte do Açude.  Quando caminho, costumo fazer uns percursos obrigatórios. E um deles é ir até à beira do rio, quando há uma rua que lhe dê acesso. Pois ao fazer isso, me defrontei com um pedaço do vidro do tamanho de uma porta, jogado bem ali, por onde o rio passa.

O que não chega a ser novidade, pois no rio se atira de tudo: metralhas, móveis, capacetes de moto, latrinas, animais mortos, milhões de garrafas plásticas, como a gente tem observado durante as campanhas de limpeza do Capibaribe. Dá pena mesmo ver o rio relegado à condição de esgoto e lixão. Essa cultura de tratar o Capibaribe de costas, como se fosse chiqueiro do fundo de quintal precisa acabar. Tanto no poder público quanto por parte da iniciativa privada.

Não é segredo, e todo mundo sabe disso, que um dos elementos que sufoca o rio é o despejo de esgoto doméstico. O que não surpreende, em um estado onde não há uma só cidade 100 por cento saneada e cuja capital só oferta o serviço de saneamento para 30 por cento da população. O resto é falta de educação doméstica mesmo. Entre pobres e ricos. Esse pedaço de vidro, por exemplo, estava jogado atrás daquele condomínio, habitado por famílias de classe média alta.  E o rio vai ser tratado como lixo também por seus moradores?

Fiquei me fazendo esta pergunta. Ao chegar em casa,  só pensava na irresponsabilidade das pessoas com a natureza. E também com  outras pessoas, pois um vidro jogado no meio do mato ou na água do rio, é meio caminho andado para um acidente feio. No dia seguinte, comentei o absurdo com Wanda, que trabalha na minha casa há cinco anos. Ela animou-se. Precisava de um vidro do tamanho do que eu vira. Eu, ela e meu filho Thiago fomos lá buscar no dia seguinte. Era um pedaço grande, e provavelmente bem pesado só para mim e Wanda. Mas alguém já o tinha levado para alívio do rio e frustração da cozinheira, que já estava animada com os trocados que ia economizar.  Era um  vidro inteiro, dava realmente para tirar bom proveito. Agora… se pega essa moda de jogar lixo do Condomínio naquele local,  a situação do Capibaribe vai ficar pior ainda, na área onde suas margens não chegam a ser exatamente um primor de limpeza.

Veja o quanto é lindo o Rio Capibaribe, no meio do mangueza e de outras vegetações de suas margens:

 

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Texto, fotos e vídeo: Letícia Lins / #OxeRecife

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