Perto de dar início a reapresentações da peça Senhora de Engenho Entre a Cruz e a Torá, dessa vez em sessões especiais para escolas públicas, Emanuel David D´Lucard e Fabiana Souza colecionam histórias para contar. Até mesmo de mistérios do além. Ele é o diretor do espetáculo. Ela, assistente de direção e responsável pela sonoplastia. E ambos pertencem à Companhia Popular de Teatro de Camaragibe, que tem uma boa folha de serviços prestados às artes cênicas aqui em Pernambuco. Eles contam fatos curiosos que rondam os artistas do grupo, quando o assunto é Branca Dias, a judia que veio para essas bandas fugindo da perseguição religiosa, no século 16.
Como vocês devem saber, Senhora de Engenho Entre a Cruz e a Torá conta a saga de Branca, que foi presa em Portugal, após ser denunciada à Inquisição pela mãe e pela irmã. Conseguiu convencer o Santo Ofício que precisava a liberdade, para criar os seus sete filhos. Livre, fugiu para o Brasil. Veio com as crianças, em busca do reencontro com o marido. Em Pernambuco, virou senhora de engenho, em meio a dificuldades financeiras e conjugais, que soube enfrentar com maestria. Teria morado em terras de Camaragibe, onde ainda hoje há fartura de lendas e histórias que remontam a sua vida. Por conta disso, o grupo fez muitas encenações naquela cidade, inclusive no Casarão do Engenho Camaragibe, em cujas terras funcionaram no passado o engenho de Branca e do seu marido, Diogo Fernandes.
Pois ali, acreditam espectadores e artistas, muitas coisas acontecem movidas pelo espírito de Branca Dias. Por exemplo, certa vez, uma mulher que estava na plateia saiu, antes mesmo de assistir o espetáculo. “Vou embora, tem um índio querendo me perseguir”, anunciou, de olhos arregalados e dizendo sentir arrepios. Detalhe: ela nunca tinha visto a peça, na qual há realmente uma invasão de indígenas ao casarão do engenho onde Branca morava com a família, e que chegou a ser incendiado no ataque. De outra, no velório de Diogo, as nove velas de um dos castiçais do cenário se apagaram. E depois voltaram a se acender. Sozinhas. Nos palcos convencionais, o mesmo castiçal sempre se apaga na cena, enquanto o outro fica aceso.
Tem outra história estranha. Como o grupo de teatro usava aquela residência para as encenações, a primeira fileira de cadeiras era destinada aos proprietários do casarão, em Camaragibe, em cujas terras Branca teria morado. Como o público sempre era superior ao esperado, uma vez o diretor solicitou os lugares, já que ninguém da família iria usar. Ao que uma pessoa respondeu, que as cadeiras estavam, todas ocupadas. E ainda apontou para as “pessoas sentadas”. Detalhe: estavam vazias de fato, mas muitos pessoas viram mulheres e homens nas poltronas. É muito mistério do além, ou não é? “Tenho ligação forte com esse casarão desde criança e sempre foi cercada de lendas e misticismo”, conta a historiadora Suzana Veiga, que deu suporte ao grupo e é especialista em Branca Dias. “Até criança negra já foi vista correndo no quintal do casarão”, conta. A criança, com roupas do século 16 não era artista. Nem pertencia à encenação. Por essa e outras, o elenco sempre faz rezas no início do espetáculo. Inclusive para Branca Dias.
Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife