Semana passada, em plena quarta-feira conturbada – trânsito, engarrafamentos, poluição sonora – resolvi fazer um passeio a pé, pelo centro da cidade, com um grupo de curiosos reunidos no Olha! Recife, projeto de sensibilização turística da Prefeitura, idealizado pela Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer. O roteiro tinha um único destino: a Basílica da Penha, mais procurada pelos católicos por sua famosa Bênção de São Félix (que ocorre às sextas-feiras), do que pela sua imponência arquitetônica. E bota imponência nisso. Eu ainda não a tinha visitado, desde que foi reaberta, em 2015, após um longo período de restauração. Para os que não sabem: apesar de nos parecer uma fortaleza, aquele monumento esteve na iminência de ruir, devido a manutenções inadequadas. Chegou a ser interditado, e passou por longo período de restauração entre 2007 e 2014. O trabalho, muito minucioso e responsável, ainda não foi concluído. A Basílica fica na Praça Dom Vital, no bairro de São José.
“Foi uma questão estrutural mesmo, tivemos que recuperar o forro, o telhado, a parte lateral e estamos restaurado as torres sineiras”, afirma o Frei Luís França Fernandes, à frente da Basílica há uma década. Ele conta que anos de manutenção equivocada quase derrubavam a Igreja. “Tínhamos medo que uma rosácea destas caísse em cima de alguém, pois cada uma pesa 20 quilos, imaginem despencando de uma altura de 40 metros”, compara. Ele mostra como é importante uma manutenção cientificamente realizada. “O uso de tinta inadequada, à base de produto químico incompatível, terminou por oxidar as estruturas”, explica. Mostra colunas de mármore que foram limpas com água e cloro (destruindo as manchas naturais da cobertura da pedra). Cita camadas de tintas de materiais impróprios, e “restaurações” grosseiras, como a observada na asa de um anjo de um dos altares laterais. Conta, no entanto, que o último processo de restauração foi executado com rigor científico, e que resultou na formação de uma geração de restauradores. “No momento, estamos reconstruindo as torres sineiras, pois 60 a 70 por cento de cada uma delas estava quebrado”, conta.
Além do que nos disseram os guias indicados pelo Olha! Recife, o religioso nos deu uma aula de história. Mostrou como os capuchinhos chegaram à nossa cidade, depois de terem sido capturados na Guiné Bissau, sendo trazidos para o Recife de Maurício de Nassau. Ao contrário das outras ordens religiosas, eles não eram dependentes da Coroa Portuguesa. Por esse motivo, a construção religiosa foge do barroco que caracterizava a maioria dos templos da época no Recife. A Basílica da Penha foi inspirada em duas igrejas localizadas em Veneza. Nas fotos, a semelhança com a Il Rendentora e a San Giorgio Maggiore é evidente. É um exemplar da arquitetura palladiana, como é chamado o estilo derivado da obra prática e teórica do arquiteto André Palladio (1508-1580), um dos mais influentes do Ocidente.
De acordo com o Frei, quase todo o material para a construção da Basílica veio da Itália. Inclusive suas colunas gigantescas, em mármore. “Mas quando chegaram, não havia maquinário na colônia, e elas voltaram para a Itália, onde foram cortadas em pedaços e embarcadas de novo para o Brasil”, conta. Aqui, elas foram reconstituídas, e é possível ver as divisões em seus gigantescos cilindros. “Vieram em anéis, e foram montadas, bloco por bloco”, conta ele. Os artistas que trabalharam nas esculturas, nos arabescos, nos detalhes decorativos também eram italianos. São muitas es esculturas de Valentino Bezarel, cuja maior obra fica no Brasil. Justamente na Basílica. “Ele era considerado o maior escultor europeu do século 19”, conta o frei. A restauração recente permitiu, também, a redescoberta de riquezas que estavam no anonimato, como o mosaico vitrificado feito pela Societá Musiva Veneziana. No interior da Basílica, a presença de artistas brasileiros é marcada apenas pelos afrescos do pintor pernambucano Murillo La Greca (1899-1985). Valeu demais o passeio. Aprendi muita coisa e vi um montão de coisas lindas.
Leia também:
Relíquia religiosa no Olha! Recife
Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife