Minha casa é um zoológico! (Mas, mesmo assim, não tem um bicho preso)

Quem não mora em apartamento, mas em casa, como é o meu caso, costuma conviver com uns bichinhos que metem medo em quem mora lá em cima. Dia desses, uma amiga veio dormir aqui e ficou apavorada por ter visto uma inofensiva perereca. Tem gente que tem medo até de pequenas víboras, aquelas que fazem uma varredura geral, devorando insetos. Aqui em Apipucos, onde há rio, açude e um restinho de mata, a gente se depara com sapo cururu, timbu, sagui ( e seus filhotes desgarrados), lagartixas, morcegos, libélulas, borboletas, preguiças, passarinhos.

Quanto a estes já perdi as contas dos que caíram do ninho, ficam hospedado por uns tempos comendo no biquinho, e depois ganham asas e… voam. Houve um filhote de sabiá que caiu, eu o colocava no ninho e ele, afoito, caía de novo, tentando voar antes da hora. Terminei adotando. O bichinho passou um tempo andando por dentro de casa, abria o bico para ganhar comida. Não o deixei sozinho no quintal, pois tinha medo que um predador o devorasse. Pois a mãe, zelosa, não me temia e vinha todos os dias visitar o filhote, dentro de minha casa. Na copa. Todos os dias, por volta de duas da tarde, ela chegava. Entrava pela porta da cozinha, fiscalizava o estado geral do filho e se mandava. Um instinto materno forte, pelo visto maior do que o de sobrevivência. Não me temia. É vista várias vezes surrando os saguis que se pelam de medo dela. É uma sabiá branca, que meu filho Thiago apelidou  de “Dona do Pedaço”. E é mesmo. Os bichos que tentam roubar-lhe ovos no ninho, que o digam. Ela surra, dá bicada, parece uma galinha choca….

Alguns pássaros que passaram por aqui, no entanto, encontrei nas caminhadas que faço pelas ruas. Foi o caso de  Francisco, o Chiquinho, um bem-te-vi que achei no asfalto. Estava só e desprotegido, em 2020,  na data dedicada a São Francisco,  que penso ter sido o primeiro ambientalista da história e cujo dia é comemorado nesse 4 de outubro.  Por isso ganhou o nome do Santo. Como era muito bebê, virou Chiquinho. Era dengoso, piava a noite toda e eu ficava perto dele para assisti-lo se preciso. Pois só houve um jeito dele se calar. Dormia comigo na rede, aninhando-se no meu pescoço. De manhã dava trabalho para acordar. Eu levantava, botava ele no chão e ele ficava dormindo em pé. Uma vez pensei que não ia resistir. Mas resistiu.  Era preguiça e dengo. Hoje deve estar voando pela natureza. Em casa, desajeitado, andava na varanda sob meus cuidados (vídeo abaixo).

Dia desses, quando fui caminhar e entrei no Parque Apipucos para olhar o Rio Capibaribe – tenho esse costume – eis que encontro um bem-te-vi se arrastando. Mas não parecia um bebê, era grande. Não conseguia andar direito, e muito menos alçar voo. Então o resgatei e levei para casa.  Descobri, ao chegar em casa, que ele era cego de um olho e que isso o deixava muito desorientado, virou presa fácil. Chicão foi alimentado, bebeu água, mas ao contrário de Chiquinho era arredio demais. Soltei-o no meu pequeno quintal. Fiquei com temor que não se alimentasse e o trouxe para dentro de casa, a fim de forçá-lo a comer. Pois acredito que Chicão está se virando muito bem sozinho, comendo insetos, minhocas, pelo quintal. Ele recomeçou a voar. Voo baixo, era verdade. Mas eu achava que ele ia conseguir voar de novo. Pois quem não saía do chão, deu um voo de um metro e meio de altura. Já era meio caminho andado. Agora, acreditem onde ele foi pousar no primeiro voo mais alto? No braço de uma imagem de São Francisco, aquele que entrou para a história pelo seu amor à natureza. Gosto tanto do santo, que tenho uma coleção de 50 imagens.

Pois o bem-te-vi Chicão passou mais de meia hora com o santo. Não é curioso? Enviei as fotos para minha amiga Francis Palhano, que além de tudo trabalha na Cprh e ama a natureza. Tem livros educativos sobre pássaros e mamíferos.  Ela viu a foto acima  e a enviou para o Padre Daivdson, ex pároco de Casa Forte, que é devoto de São Francisco. Ele gostou de ver a ave acomodada no braço do santo.”Obrigado por brindar meu coração, com esse pássaro lindo que voa para os braços de Chiquinho”, disse o religioso, tratando o Santo com intimidade. “Que o pássaro se recupere, temos que cuidar das criaturas sim”, afirmou o padre que costumava dar a bênção a gatos, cachorros, lebres, pássaros e até cabras no Dia de São Francisco, quando respondia pela Paróquia de Casa Forte.

Depois de se acomodar nos braços de São Francisco, Chicão não teve mais dificuldade em voar. E a prece do padre ajudou. Chicão voou. Ganhou o mundo. E nunca mais voltou.

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Texto, fotos e vídeo: Letícia Lins / #OxeRecife

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