Meu primeiro contato com a artista da foto acima foi no Centro de Criação Galpão das Artes, no município de Limoeiro, onde fiquei impressionada com o seu discurso. Foi em uma tarde mágica com participação de mestras e mestres da cultura popular do Nordeste. E ela não parecia apenas bonequeira e mamulengueira, o que já é muito nesse país de tanta falta de apoio à cultura popular. Ela era, também, uma mulher empoderada, com discurso forte e feminista, preocupada em levar sua palavra à boca dos seus bonecos que, tradicionalmente, usam piadas bem machistas quando no “palco” das barracas, como são conhecidas as tendas de pano em que se apresentam em praças, arraiais, centros culturais.
Pois ela merece . Com discurso bem diferente das piadas machistas das tradições populares do Nordeste – como as que a gente ainda vê nos pastoris de ponta de rua e no teatro de bonecos – Edjane Ferreira de Lima já tem seu lugar na história do mamulengo em Pernambuco. Ela acaba de virar tema do documentário Mestra Titinha – Lapidando a tradição do mamulengo, já disponível no canal do YouTube do Museu do Mamulengo de Glória do Goitá, cidade tida como a capital pernambucana do mamulengo. A Mestra Titinha, como é mais conhecida, lidera o grupo Flor de Mulungu, naquele município, localizado a 63 quilômetros do Recife. E vive de sua arte. O curta mostra a relação de Titinha com a prática daquele brinquedo ainda tão presente nas festas do interior e até mesmo em eventos de rua na capital pernambucana. Quem não gosta de ver um teatro de bonecos?
O documentário aborda a vida da mamulengueira, bonequeira e produtora cultural. Sem esquecer a face doméstica, o papel de mãe e, claro, a mulher empoderada. A mestra também explica quem foram seus mestres, como o saudoso Zé de Vina. Titinha é irmã do Mestre Bila, é casada com o mestre mamulengueiro Bel e tem quatro filhos. O documentário mostra uma visão ampla do teatro de bonecos e também, a visão vanguardista do papel de Titinha dentro da manifestação, que tanto encanta crianças e adultos. E que vem evoluindo também no discurso dos bonecos. Vejam o que ela diz:
A mulher tem que ser respeitada em qualquer brincadeira popular. O mamulengo não é racista nem violento e é bom lembrar que o que era piada no passado hoje é considerado crime. Então, os novos mamulengueiros têm que saber adaptar seus improvisos às plateias e aos novos tempos
Titinha ontem estava levando sua arte ao sul do país, participando do Animaneco – Festival Internacional de Teatro de Bonecos, em Santa Catarina. E deve estar retornando hoje a Pernambuco, feliz da vida com o sucesso do seu teatro. No documentário, através de entrevistas, imagens de sua artesania e da apresentação do espetáculo do seu grupo Flor de Mulungu, pode-se acompanhar um pouco do seu trabalho. E também suas reflexões sobre a brincadeira, mostrando-se a importância da preservação da tradição, o papel da mulher em um universo predominantemente masculino e a produção cultural que é realizada no interior do Estado de Pernambuco.
O filme tem direção de Débora Bittencourt, que também fez a montagem e construiu o argumento junto com Durval Cristóvão, responsável também pela captação de som do filme. A direção de fotografia e produção executiva assinadas por Thiago das Mercês. E a identidade visual e arte gráfica por David Oliveira. Há imagens gravadas no belíssimo Museu do Mamulengo de Glória do Goitá, principal atração turística da cidade e que funciona no seu antigo mercado de farinha, esta ainda hoje um dos principais produtos agrícolas do município. O filme é fruto do Edital do Prêmio de Registro Audiovisual de Saberes Tradicionais e da Cultura Popular – LAB PE. E estará disponível no canal do YouTube do Museu do Mamulengo de Glória do Goitá.
Você também pode conferir o vídeo aqui, e depois leia mais sobre o mamulengo nos links abaixo:
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos, vídeo: Divulgação / Museu do Mamulengo de Glória do Goitá