Memórias afetivas, “praia do sertão”, rendas, bilros e primeiro amor

Despretensioso, atávico e gostoso de se ler. É assim que pode ser definido o livro “Memórias Afetivas”, de Fátima Brasileiro, que conseguiu, também, cumprir o objetivo a que se propôs: resgatar as recordações da infância e da adolescência, em meio ao clima poético do sertão, do aconchego da família, das histórias que os adultos contavam,  das secas na caatinga, das enchentes em Afogados de Ingazeira, quando a população transformava as margens do Rio Pajeú “em praias”.

“Outra cheia imensa, agora em Afogados de Ingazeira, ultrapassou o leito e invadiu a Avenida Manoel Borba, numa correnteza de assustar. As casas do lado do rio foram totalmente tomadas pela água, que alcançou o lado oposto da rua e por pouco também não invadiu aquelas. Passado o susto, uma novidade. A areia trazida pela água formou uma faixa imensa, por um mês ou quase. Afogados, a quase 400 quilômetros do litoral, tinha agora uma praia”. Descreve: “A juventude estilosa, de óculos de sol e lenço na cabeça, aproveitou para passear, jogar bola, se divertir”. E acrescenta: “Famílias inteiras fazendo piquenique, caminhada, tomando banho”.

Fátima Brasileiro conseguiu retratar o clima do sertão de meados do século passado: a memória com afeto
Fátima Brasileiro conseguiu retratar o clima do sertão de meados do século passado: relógio, tempo, família, união, afeto

A publicação retrata, também, as lúdicas viagens de trem ao Sertão. A autora recorda imagens que hoje pareceriam de cinema. Os vagões de primeira e segunda classe, as malas encobertas com capas de tecido confeccionadas pela mãe, com monogramas da família bordados em ponto de cruz. A Estação do Trem de sua infância,  em Caruaru,  mostra a forte presença do transporte ferroviário de passageiros, no século passado e a  importância que se atribuía até aos seus trabalhadores, alguns encarados como verdadeiras autoridades.

Um deles era Seu Caetano,  Chefe da Estação do Trem, em Caruaru, que morava no primeiro andar da sede da unidade,  e era visto quase como um mito pelos usuários da linha férrea. Todas essas reminiscências – inclusive as histórias que mãe e avó contavam – são passadas em revista por Fátima, em linguagem coloquial, sem pretensões de se tornar romancista ou escritora. “Alguns amigos me aconselharam a escrever um romance, mas não era isso que eu queria. O que queria, mesmo, era resgatar as memórias da minha infância, no sertão do Pajeú”, diz. Fátima é farmacêutica, trabalha na Amupe (Associação Municipalista de Pernambuco), e fez oficina literária com o escritor Raimundo Carrero.

A máquina de fotografia d mãe, as rendas confeccionadas com bilros pela avó e o porta-joia da família incluem memórias afetivas
Máquina de fotografia ,  rendas confeccionadas com bilros pela avó e o porta-joia da família incluem as memórias afetivas

O livro conta, ainda, as emoções da primeira paixão, o amor platônico, o estudo no colégio, no qual filhos de fazendeiros e de camponeses eram tratados com igualdade. “O ensino era muito bom, a gente concluía, vinha tentar vestibular no Recife e passava na primeira leva”, recorda, sem esquecer os seus tempo de “baliza” nos desfiles de 7 de Setembro. As memórias afetivas incluem a mobília do interior, o relógio antigo de parede, o modo como o sertanejo vê o dinheiro, o luar do sertão, a vontade do sertanejo ver o mar, a sabedoria das matriarcas da família. Muito bom. Não quero estabelecer comparações, mas lembrei de “A amiga genial”, da italiana Elena Ferrante, claro, cada qual no seu lugar. Parabéns, Fátima. Vá em frente.

(Fotos: Letícia Lins / #OxeRecife)

Serviço:

“Memórias afetivas”

Preço: R$ 25

Local de lançamento: Pátio Café, Avenida Rui Barbosa, 141, Praça do Entrocamento

Horário: 19h do dia 13 de dezembro (terça-feira)

Vendas com a autora: telefone  9 92623316

 

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