Livro retrata ousadia do Vivencial

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Durante a ditadura implantada a partir de 1964, muitas canções surgiram como meios de resistência contra regime de exceção. Mas as mais célebres  foram  três: “Prá não dizer que não falei de flores”, “O bêbado e o equilibrista” e “Cálice”. Não tinha manifestação que acabasse sem as massas gritando “O povo jamais será vencido” ou deixando de entoar as três, que viraram hinos contra o obscurantismo. A de Geraldo Vandré era a mais invocada e  por isso mesmo, a mais revestida de simbolismo. No teatro, o espetáculo “Opinião” saiu dos palcos para os livros de História. Também nesse campo de artes cênicas, dois grupos se destacaram no Brasil pela subversão dos valores da época, pelo escracho e pela ousadia. Foram eles, os  Dzi Croquettes (no Centro Sul) e o Vivencial Diversiones (no Nordeste). O primeiro já ganhou o seu documentário no cinema. O segundo acaba de ganhar um livro, assinado pela fotógrafa e jornalista Ana Farache.

“Vivencial/Imagens do Afeto em Tempos de Ousadia” foi lançado na noite de quinta-feira, na Galeria Arte Plural e mostra imagens inéditas, selecionadas entre as 400 ainda analógicas sobre a trupe, que ela captou entre os anos 1979 e 1983, quando o grupo agitava o palco montado em um imóvel que mais parecia um barracão, próximo à Ilha do Maruim, em Olinda.  Mas que começou a atrair a sociedade com sua irreverência. Havia nudez, brilho, plumas, paetês e sarcasmo de sobra nas piadas. Ou seja, vanguarda pura, que chegou a incomodar os poderosos fardados da época.  Lembro bem quem me informou sobre o “espetáculo” do grupo: o colega e cineasta Geneton Moraes Neto, que residia ainda no Recife. “Letícia, não perca, pois o escracho dos caras é um arraso”. Na mesma noite cheguei lá.  O evento de autógrafos foi uma festa, até porque ex-integrantes da trupe apareceram, como Henrique Celibi e Mário Lima. Teve, ainda, declamação de Jomard Muniz de Brito, guru da geração daqueles tempos e das de hoje ainda.

Ele recitou “Poema de Sete Faces ou Pernalonga em Sete Fôlegos”, dedicado  a Pernalonga, uma das figuras mais populares e emblemáticas do Vivencial, e que morreu ainda muito jovem.  Lembro dele passeando de vestido, saltos altos e purpurina no rosto, pelas ladeiras de sua cidade amada. “Quando nasci,um anjo igual a mim / desses que vivem nas sombras das águas fortes de Olinda…/ disse: Vai Pernalonga! ser gay na vida”.  Para Jomard, o grupo  travestia  “a política e a pornografia e vice-versa”.  Professora, jornalista e crítica de fotografia, Simonetta Persichetti atribui uma grande importância ao resgate histórico feito por Farache. “Ao passarmos pelas imagens, realizadas num período de obscurantismo político mas de ousadia estética numa tentativa de sobrevivência, percebemos a importância de seu relato, que muito mais do que representação de encenações previamente estabelecidas se transforma em um documento de uma época, quase um diário ou parafraseando o título do livro são imagens de afeto em tempos de ousadia”. E que ousadia….

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