Além de uma grande amizade de quatro décadas, o médico e poeta Lula Arraes e o jornalista Ítalo Rocha têm outra coisa em comum: a longa convivência com Miguel Arraes (1916-2005), até hoje o maior mito da história política de Pernambuco. O primeiro esteve sempre perto como filho, pois – ainda criança – foi obrigado a viajar com o pai para o exílio, em 1969, tendo retornado com a família ao Brasil em 1979, quando Arraes foi beneficiado pela anistia. O outro se aproximou como assessor, quando Arraes voltou a ser eleito pelo povo pernambucano, assumindo o governo pela segunda vez no Estado.
Como todos sabem, após uma campanha eleitoral histórica e marcada pela emoção, Arraes voltou em 1989 ao Palácio do Campo das Princesas, onde “entrou pela porta que saiu”, já que havia sido deposto pela sangrenta ditadura militar implantada no Brasil em 1964. Ele era amado pelas massas populares e visto com muito preconceito pela então poderosa e conservadora aristocracia açucareira de Pernambuco, que dominava a economia, o que conferia a usineiros e donos de engenhos muito poder político. Eu era adolescente quando o golpe aconteceu. Mas tinha me tornado repórter quando Arraes vivia no exílio e o acompanhei desde o retorno ao Brasil até o seu sepultamento. Ele deixou uma bela história, conhecida não só pelos pernambucanos mas por todos os brasileiros e até mesmo no exterior. Mas muitas das historinhas vivenciadas no exílio, no retorno, nos anos com e sem mandato são desconhecidas do grande público. Não serão mais, pois Lula e Ítalo se encarregaram de preservá-las.
Arraes foi deputado estadual, Prefeito do Recife, governador por três vezes e teve três mandatos como deputado federal. Natural, portanto, que sua vida tenha rendido manchetes nos veículos de comunicação, livros, trabalhos acadêmicos. E inevitável que tenha presenciado casos curiosos ao longo de sua extensa vivência política. Eu mesma, como repórter, fui testemunha de várias passagens emocionantes, engraçadas ou imprevisíveis. Lembro que quando ele foi ao interior, logo após chegar do exílio, uma mulher ajoelhou-se aos seus pés, como se estivesse presenciando a aparição de um personagem sagrado. Para ela, era. Pois o primeiro governo de Arraes foi marcado por ter dado voz e ouvidos às comunidades carentes, principalmente da região canavieira, onde os trabalhadores rurais ainda eram tratados praticamente como cativos pela agroindústria açucareira, mais de sete décadas após a abolição da escravatura.
Foi justamente para juntar fatos que a gíria popular chama de “causos”, que Lula e Ítalo se debruçaram em um projeto movido a quatro mãos. O resultado é o livro “Miguel Arraes – Histórias de Lá e de Cá”, que será lançado na quinta (19/09), no Real Botequim, que fica na Avenida Dezessete de Agosto, 1671. A sessão de autógrafos está marcada para ter início às 18h. “Histórias de cá” são aquelas que Ítalo presenciou, quando assessor de Arraes, e que ele vinha divulgando nas redes sociais (Instagram e Facebook). Já “Histórias de lá” são aquelas que Lula vivenciou ao lado do pai, durante o exílio. Tinha apenas dez anos quando viajou com ele para o exterior. Mas as lembranças daquela época são tão fortes, que ficaram para sempre.
“Foram fatos marcantes e alguns inesquecíveis. Era criança, mas não há como esquecer o que vi. Mas no livro há mais casos leves do que pesados, e é bom ressaltar que o livro não é biográfico, são apenas histórias vividas pouco conhecidas”, diz Lula, cujo foco são fatos ao lado do pai, presenciados fora do Brasil. Ou seja, cada qual do seu lado, relata casos engraçados, curiosos ou dramáticos vividos por Arraes. Foi de Lula a ideia de reunir o material, e publicar em livro. São, ao todo, 82 histórias. Ou “causos”, se assim preferirmos chamar. Pergunto a Lula se foi dolorido reviver as memórias vividas ao lado do pai, o que costuma ocorrer quando se revolvem lembranças de entes queridos que já tenham partido para outro plano.
“Não, não foi dolorido. Trabalhei as memórias para esse livro com muita leveza. Pesado mesmo foi escrever “Senhor do Barco”, lembra Lula, referindo-se a uma publicação autobiográfica, em que o médico relata a própria história e os conturbados e difíceis tempos vividos pela família Arraes durante o período obscuro da ditadura militar. Ele acha, no entanto, que o pai está a merecer uma biografia que conte em detalhes a história de Arraes na década vivida de forma compulsória fora do Brasil, a maior parte do tempo na Argélia. “Até agora, nenhuma biografia dele é completa e esse novo livro possui apenas historinhas. É um livro despretensioso”. “Miguel Arraes – Histórias de Lá e de Cá” é publicado pela Editora Cubzac e custa R$ 90. O prefácio é de Vanja Campos, que foi Chefe de Gabinete de Miguel Arraes, durante o seu terceiro governo.
Vamos presenciar o lançamento? Arraes merece lembrança eterna. E os dois autores que são muito gente boa. E, pelo visto, têm muito o que contar… Nos links abaixo, você confere outras informações sobre a ditadura e a redemocratização.
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Serviço:
Evento: Lançamento do livro “Miguel Arraes – Histórias de Lá e de Cá” (135 páginas, Editora Cubzac, R$ 90)
Autores: Lula Arraes e Ítalo Rocha
Quando: Quinta-feira, 19 de setembro
Horário: 18h
Onde: Real Botequim
Endereço; Avenida Dezessete de Agosto, 1671, Casa Forte
OBS: Após o lançamento, o livro será comercializado na Internet, no site da Editora Cubzac. Ainda não há edição em e-book
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação e Instituto Miguel Arraes
Não estava no Recife. Gostaria de comprar, mas ninguém sabe onde encontrar o livro … Nem o autor Ítalo, me respondeu no Instagram. Presumi, então, quea edição ficou restrita ao lançamanto. Uma pena
Enviei um zap para o autor. Assim que chegar resposta posto aqui.
Bom dia Regina. O livro sobre Miguel Arraes esgotou já. A editora deverá providenciar uma segunda edição e colocá-lo à venda na Internet. Mas ainda não há data.