Imponente e majestoso – não é à toa que é conhecido como o “Rei da Selva” – o leão é o animal que, com certeza, aparece com mais frequência na heráldica universal. Ganha disparado de outros bichos, como águia, urso, peixe, cisne, galo, marcando presença constante em escudos, brasões, bandeiras. No nosso estado, a situação não é diferente. O felino começa a aparecer já no brasão do primeiro donatário da Capitania, Duarte Coelho, que chega ao Brasil em 1935. E o animal ainda é visto nos dias atuais, pois está nos brasões do Estado e do Recife, na bandeira da capital pernambucana, nos estandartes dos maracatus e até em escudo de time de futebol. Pernambuco inclusive é exaltado como “Leão do Norte” até mesmo na música. E estão aí o frevo de bloco “Sou de Pernambuco” (Raul Moraes, 1930), e Leão do Norte (Lenine, 1993) que não nos deixam mentir.
É justamente sobre a trajetória do “Leão do Norte”, que a designer pernambucana Gisela Abad se debruça para fazer uma exaustiva pesquisa, que terminou dando origem ao livro “Um Leão na Paisagem”, que será lançado a partir das 13h do sábado (31/8), no Museu da Cidade do Recife, que funciona no Forte das Cinco Pontas, no bairro de São José. Durante o evento, será inaugurada uma exposição sobre o assunto. Tanto o livro quanto a mostra questionam porque um animal que nunca constou na nossa paisagem se faz presente na sociedade e no imaginário popular longo dos séculos.
“Em Pernambuco, no Brasil e nas Américas, nunca houve leões na paisagem. Na caatinga e no Sertão, os felinos selvagens são a onça, a jaguatirica e os gatos do mato”, lembra Gisela. “Pernambuco fica no Nordeste. Então, que leão era esse? Por que do Norte?”. Após percorrer a história e mostrar como o leão surgiu e impôs na nossa terra – inclusive através de movimentos libertários no estado – Gisela relata, no seu livro, o resultado da análise que fez após examinar um século de documentos sobre registros de marcas na Junta Comercial de Pernambuco.
E por que a pesquisa na Junta Comercial de Pernambuco? Porque em 2004, a designer foi chamada pela Fundação Gilberto Freyre para fazer a identidade visual do projeto de digitalização do acervo da Jucepe, quando percebeu a marcante presença do leão nos documentos. Decidiu então mergulhar no material para um trabalho acadêmico, centralizando a investigação entre os anos de 1886 e 1996. O resultado do estudo terminou virando uma dissertação de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Design da Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O foco da pesquisa de Gisela Abad foi justamente a transposição da figura do leão valente e destemido, para designar marcas, aparecendo em rótulos, produtos , empresas. Passa a ser,portanto e também, identidade visual de refinaria, padaria, bolachas, cigarros, fábricas de cadeiras , vassouras, sabão.
Curiosidade: à medida que o Leão do Norte passa a funcionar como uma espécie de garoto-propaganda, vai mudando a postura, sendo domesticado, amansado. “Um vendedor dos melhores produtos e serviços que se possa experimentar não cabe no signo que se tenha por objeto dinâmico um leão guerreiro agressivo, de resistência, insurreto. Portanto, na semiose das marcas comerciais, o leão foi visto transfigurado em signo de amigo, de cordato”, diz Gisela. Lembra que ele termina aparecendo “domesticado e adestrado, desvinculando-se da imagem heráldica, do conceito de leão insurreto e, portanto, com um novo signo”. Em algumas marcas, o leão comercial mais parece um totó ou um gatinho.
Para a autora do livro, uma das hipóteses para a tão marcante presença do animal em marcas e produtos tem a ver com a lusofobia do século 19, quando “a emergente classe média urbana, em crescente número, encontrava-se excluída do mercado de trabalho, predominantemente ocupado por portugueses”. Ela conclui que diante de tal situação, usar o nosso “Leão do Norte” foi uma forma de buscar identidade dos produtos, junto aos consumidores pernambucanos. “Alguns comerciantes e industriais procuravam contornar a hostilidade adotando nomes para seus negócios, que refletiam identidades regionais e nacionais, atribuindo ao Leão do Norte, uma nova característica, a de vendedor”. O livro é fartamente ilustrado e, ao longo de suas páginas, Gisela faz um estudo detalhado da figura do leão à luz da própria heráldica e da semiótica (estudo dos significados). O livro tem edição de apenas 500 exemplares, conta com incentivo da Lei Paulo Gustavo (Via Prefeitura do Recife).
“Um Leão na Paisagem” não será vendido, mas sim distribuído a convidados e a estabelecimentos educacionais. Os reservados para convidados serão distribuídos por ordem de chegada, anotados os nomes, RG, CPF da pessoa que vai receber. No sábado, durante os eventos serão comercializados bebida e quitutes inspirados no “Leão do Norte”. O Chef César Santos (Oficina do Sabor) levará caldinhos e o arroz Leão do Norte, à base de frutos do mar. A doceira Ana Corina chegará com docinhos, também inspirados no “Leão do Norte”. E a tradicional Cachaçaria Triumpho, estará lançando uma edição especial de cachaça envelhecida, com o rótulo do Leão do Norte. São apenas 83 garrafas que já começam a ser disputadas por colecionadores e admiradores de branquinhas de boa qualidade.
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Serviço:
O quê: Lançamento de livro e abertura da exposição “Um Leão na Paisagem”, de Gisela Abad
Quando: Sábado, 31 de agosto
Horário: A partir das 13h
Até quando: a exposição fica em cartaz até 27 de outubro
Onde: Museu da Cidade do Recife, no Forte das Cinco Pontas
Endereço: Praça das Cinco Pontas, S/N – Bairro de São José
Quanto: Acesso livre
(O livro não será comercializado, mas distribuído por ordem de chegada aos convidados)
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos e imagens: 2Abad/ Divulgação
Compareci ao lançamento e neste momento estou com o livro entre as mãos. Dei uma rápida folheada e o trabalho de pesquisa da autora me pareceu excelente. Doida para começar a leitura.