“João Cabral não é um iluminado, mas um iluminador”

Se vivo fosse, João Cabral de Melo Neto teria completado cem anos em janeiro de 2020. Para assinalar a data, a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe)  presenteia o público com o lançamento de João Cabral de ponta a ponta, talvez a obra mais abrangente sobre o poeta, autor de Morte e Vida Severina, O mar e o canavial, A fumaça no Sertão, o Sol em Pernambuco, Vale do Capibaribe e tantos outros poemas que nos conduzem à realidade social, à paisagem, a cores e aromas do nosso estado. Com 598 páginas, o livro foi escrito por Antônio Carlos Secchin, que passou “somente” 35 anos estudando os escritos cabralinos.

Seechin (foto) é professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Letras da UFRJ e membro da Academia Brasileira de Letras. E o seu livro, na verdade é reedição revisada e ampliada de três versões anteriores, agora com informações inéditas. A obra será lançado no dia 26 de agosto, às 17h30, em uma live no canal da Cepe no You Tube, com a participação de Secchin. O encontro será mediado pelo editor do Suplemento Pernambuco (Cepe), Schneider Carpeggiani.

Na ocasião o autor pretende falar da concepção do livro, desde as versões iniciais, publicadas em 1985 e 1999, passando pela de 2014, até chegar à forma definitiva. Inicialmente os livros estarão disponíveis apenas em formato e-book. A impressão está condicionada ao retorno das atividades presenciais da gráfica da empresa pública, que foram atrapalhadas pelo isolamento social devido à Covid-19.

O livro conta com todo o material analítico dos 20 títulos de João Cabral, expostos cronologicamente (pela ordem das datas das publicações). Nele também constam cinco ensaios sobre temas transversais da poesia do autor pernambucano e de suas relações com outros escritores. Este último material de pesquisa foi publicado em 2014, pela extinta Cosac Naify, sob o título João Cabral: uma faca só lâmina.   “É um orgulho publicar, dentro da programação do centenário de João Cabral de Melo Neto, uma obra que se dedica aos meandros da sua poesia, do primeiro ao último livro”, diz o pesquisador. João Cabral de ponta a ponta é a versão ampliada e consolidada das pesquisas de Secchin sobre o poeta, e parte do trabalho de uma vida dedicada à literatura.

Segundo a Cepe, trata-se de uma edição para conhecer a poesia cabralina em profundidade, pois o autor traz leituras essenciais da produção tardia de João Cabral, pouco lembrada pela crítica.”Uma vez  que Cabral dizia apreciar meu trabalho crítico sobre sua poesia, gostaria de que quem gosta da obra cabralina pudesse conhecer o que sobre ela escrevi, o que agora será possível graças à publicação da Cepe. Mas antes, ou paralelamente a isso, o fundamental é ler a própria obra dele”, sugere Secchin.

O livro propõe, segundo Secchin, “uma leitura que não privilegie em particular qualquer corrente teórica que se ocupe do discurso poético”. Estudioso de vários autores, Secchin admite que enfatizou as pesquisas em João Cabral pela sintonia que se criou entre o escritor e o que ele, como leitor, valorizava: poemas de alto teor criativo simultaneamente claros e complexos. “O poema apenas ‘claro’, muitas vezes, tende a ser ingênuo ou panfletário. E me agrada percorrer a teia de seus  versos para constatar que nela  o ‘complexo’ jamais se transforma  no ‘confuso’”.

João Cabral é apontado como concretista, modernista, poeta marginal, integrante da geração de 45… O fato é que percorreu diversos movimentos artísticos, o que o torna atemporal. “Transitar entre vários movimentos artísticos é não congelar no tempo. Autores que respondem canonicamente à demanda de suas épocas correm o risco de desaparecerem com elas, por não terem injetado em seus textos um suplemento de sentido que os capacitasse a suportar demandas vindouras”, defende Secchin. Averso ao poema lírico, Cabral se autodenominava antilirista. Uma vez, em entrevista a essa repórter, ele disse ser o seu poema Morte e Vida Severina, um “arroubo da juventude” e que, à medida que a idade avança, o lirismo dos versos cede lugar à métrica.   No livro, Cabral afirma que sua poesia não é lírica, e que esta estaria vinculada a nomes como Caetano Veloso e Chico Buarque. Vejam o que diz João Cabral a Secchin.

“Minha poesia é intelectual, em alguns livros, é uma poesia de crítica social à situação nordestina, é uma poesia, como dizem os críticos atuais, metapoesia, uma poesia sobre a poesia, mas não é uma poesia lírica. Eu tenho a impressão de que a verdadeira poesia lírica hoje está sendo feita pelos compositores de música. Os grandes líricos do Brasil hoje chamam-se Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda”.

Para o autor de O Cão sem Plumas, o trabalho poético era como um trabalho manual.” Ele recorre a comparações com atividades manuais – as do ferreiro, do toureiro, do pescador – exatamente para retirar da poesia a aura do sublime, como  efeito de  inspiração reservada aos poucos eleitos  ou iluminados. Cabral não é  um iluminado, é um iluminador”.

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Serviço:
O quê: Lançamento do livro João Cabral de ponta a ponta com bate-papo entre Antonio Carlos Secchin e Schneider Carpeggiani
Quando: 26 de agosto
Horário: 17h30
Onde: em live no canal da Cepe no You Tube (https://www.youtube.com/watch?v=tHCBSwwWfkk)
Preço do livro: R$ 18 (e-book); R$ 60 (livro físico)

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação /Cepe /  Passa Disco (Acervo #OxeRecife) 

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