Muitos dos fantásticos episódios de nossa história passam (ou passaram) em branco nos bancos escolares. Um que se fala pouco é a Confederação dos Tamoios, a maior revolta indígena do Brasil, que ocorreu há cerca de 470 anos, quando povos originários se juntaram no Sudeste do país para lutar contra os colonos portugueses que queriam escravizar a população nativa. São tantos os assuntos da nossa história que são ignorados pelos nossos mestres, não é? Hoje, a coisa deve ter mudado. Ou melhor, mudou, mas nem tanto. Mas no meu tempo era pior. A história que nos ensinavam era a dos vencedores. Infelizmente. Minha geração sequer ouvia falar de Caldeirão, Canudos, Movimento Pau de Colher, Farrapos, Contestado, Revolta da Vacina, Revolta da Chibata, Conjuração Baiana ou Revolta dos Búzios, Revolução de 1817… Alguns desses eventos vim a conhecer na idade adulta, ora como leitora curiosa ora como jornalista, que curte escrever matérias sobre ciência, cultura, história, patrimônio público.
Quanto aos povos nativos, eram a nós apresentados nas escolas como “selvagens” e “canibais”. Mas nos anos 1970, essa coisa começou a mudar. Em Pernambuco, por exemplo, surgiam o livros didáticos que contavam a história do descobrimento a partir da visão dos índios que eram os verdadeiros donos da “Ilha” de Vera Cruz. Era uma proposta educativa tão inovadora que virou até matéria em jornais de circulação nacional. Pois quem gosta de história está com um livro bom para se deleitar. É a “Guerra dos Mil Povos”, de Víktor Waewell. Trata-se, na verdade de uma ficção histórica, na qual ele apresenta curiosidades e situações verídicas que aconteceram no passado a partir de uma narrativa envolvente e repleta de aventura. O objetivo dele não é apenas entreter o público, mas também levar conhecimento sobre um evento que muitos leitores podem desconhecer. Para isso, contou com respaldo de historiadores que revisaram todos os detalhes do enredo para aproximá-lo da realidade. “Guerra dos Mil Povos” retrata de maneira fidedigna aquele momento crucial para a história brasileira, embora pouco conhecido pelo público.
O épico é ambientado na chamada Confederação dos Tamoios, quando indígenas e portugueses se confrontaram por décadas em batalhas no Sudeste do país. O livro faz uma reconstituição dos acontecimentos, a partir de profunda pesquisa documental e da avaliação de historiadores.O lançamento narra a história de Afonso, um guerreiro português que vendeu a armadura e vem ao Brasil em busca de paz. No entanto, logo após ouvir a tão esperada frase “Terra à vista!”, próximo à entrada da Baía de Guanabara, escuta estouros de canhão. Estava em curso uma batalha naval entre naus portuguesas e centenas de canoas indígenas, numa época anterior à fundação da cidade do Rio de Janeiro. Ali, acontecia a chamada Confederação dos Tamoios, uma guerra de grandes proporções entre os povos indígenas e os fidalgos escravistas.
O autor repete, portanto, uma fórmula já adotada por ele mesmo em “Novo Mundo em Chamas”, que alcançou o topo dos mais vendidos na Amazon e foi semifinalista do Oceanos 2021, um dos maiores prêmios de literatura em língua portuguesa. No Brasil do século 16, o protagonista viverá uma história de amor, lutas e tragédias ao lado de Aiyra, uma nativa que busca vingança contra os portugueses. Em paralelo, tramas de outros personagens se entrelaçam, como a de Sebastião, um templário que tenta enriquecer com o comércio escravista, e a de Heloísa, uma prostituta que decidiu nunca mais se deitar por dinheiro.
As histórias costumam ser sobre feitos grandiosos dos que procuram ser dignos de lembrança. Mas a motivação quase sempre é o temor do esquecimento ou da morte, que são a mesma coisa. Assim, na verdade, a maioria trilha o caminho do medo. Já os mais corajosos fazem o que precisa ser feito sem procurar crédito, por isso as suas histórias raramente são lembradas. Sem alarde, determinam o rumo dos acontecimentos. Esta é a arte das mulheres’. Afonso foi pego de surpresa, pois não percebera ser Aiyra tão sábia. (Guerra dos Mil Povos: um épico durante a nossa maior revolta indígena, pág. 178)
Ao final, o livro apresenta uma nota histórica sobre o processo de pesquisa do autor que atesta o rigor acadêmico dos fatos. Víktor Waewell é uma das novas vozes da literatura brasileira e tem foco em ficção histórica, fato já utilizado por escritores estrangeiros como, por exemplo, Vargas Llosa, em “A Guerra do Fim do Mundo”, no qual ele conta a saga de Antônio Conselheiro e seus seguidores na Guerra de Canudos. Para tornar o romance mais atraente, o peruano criou alguns personagens fictícios. Viktor emprega rigor acadêmico no trabalho literário a partir de vasta pesquisa e revisão por historiadores. “Guerra dos Mil Povos” é o segundo lançamento do escritor e também tem como base um período importante da história brasileira. Imperdível. Com certeza!
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Serviço
Lançamento
Serviço
Título: Guerra dos Mil Povos
Autor: Víktor Waewell
ISBN: 978-65-00-83554-0
Páginas: 512
Preço: R$ 54,00 (físico) | R$ 24,90 (e-book)
Onde encontrar: Amazon
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Reprodução de “O Último Tamoio” (de Rodolfo Amoedo, 1857-1941); e divulgação