“Voltar à normalidade”, como? “Gripezinha”, “resfriadinho” ou “genocídio”?

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Quando vi, no início desse governo, a liberação indiscriminada de agrotóxicos no Brasil – muitos deles totalmente proibidos em muitos países – tive, e ainda tenho, a impressão de que estávamos vivendo o início de um genocídio. Como repórter, já acompanhei as consequências do uso de tanto veneno na agricultura. Vi gente adoecendo, morrendo, com membros amputados e até com deformações genéticas, supostamente provocadas pelos longos anos de convivência com pesticidas. Com o excesso de registros de defensivos agrícolas, a situação tende a piorar. Tanto para quem com eles convive no campo, quanto para nós, já que os consumimos nos alimentos que chegam às nossas mesas.

Na noite de terça-feira, ao ouvir o discurso do Presidente Jair Bolsonaro, tive a mesma sensação. Tratar de “gripezinha” ou “resfriadinho” uma  pandemia que já infectou mais de 300 mil pessoas no mundo e já fez quase 19 mil mortes no planeta significa o quê? Mandar as pessoas irem às ruas, acabar com o recesso nas escolas, no comércio (foto acima) e em repartições tem que sentido? E acabar com o confinamento serve para quê? Ele deveria, pelo menos, ter se mirado no exemplo que tem em casa: mais de 20 auxiliares contaminados pelo coronavírus. Não tenho conhecimento de outros países, com tanta gente com o Covid-19 no mais alto escalão do poder.

Foi o Bozó acabar de se pronunciar, e o meu telefone disparou. As mensagens no meu WhatsApp começaram a se acumular. Entre meus amigos, não foram poucos que usaram o termo “genocida”, para se referir ao Presidente que, contrariando todas as recomendações do seu próprio Ministro da Saúde, Luíz Mandetta, mandou as pessoas irem às ruas, para o país “voltar à normalidade”. Aconselhou a população a deixar de lado, entre outras iniciativas, “o confinamento em massa”, que tem sido o meio mais racional de evitar a propagação da epidemia, sistema adotado em mais de 150 países. Será que o homem esqueceu que o Brasil é o país da América Latina com o maior número de infectados e que as mortes já somavam 46 até ontem?

Sinceramente, a dedução que fica, diante do seu desastroso pronunciamento, pode ser dividida em duas: ou o Capitão perdeu parte do juízo que ainda lhe restava, ou está com crise de ciúme do seu Ministro da Saúde, Luíz Mandetta, que vem se mostrando uma autoridade sensata, equilibrada e responsável, tendo assumido – como é de sua responsabilidade institucional – a luta contra a expansão da epidemia no Brasil. Isso, no entanto, não impede que tenhamos já registrados mais de 2.201 casos, com o 46 mortes. O protagonismo do Ministro parece estar incomodando o Capitão.

Desde os primeiros sinais da epidemia no Brasil, Mandetta – pelo menos no caso do Covid-19 – tem se comportado com serenidade, dizendo o que deve ser dito. Fazendo o que precisa ser feito. Sem esconder a verdade sobre a pandemia. Imaginem só se os cidadãos brasileiros não estivessem seguindo a orientação para o confinamento. Talvez já estivéssemos em uma escalada sem precedentes do coronavírus, como ocorre na Itália. Mas para o Capitão, não existe epidemia, pandemia. Existe, sim, “histeria coletiva”, “gripezinha” e “resfriadinho”. E também irresponsabilidade da imprensa (que tudo tem feito para esclarecer a população sobre os riscos do Covid-19 e como se prevenir).  Para o Jair Messias, parece existir só um pensamento, aquele que ficou célebre nos livros de história, dito pelo monarca Luís XIV (1638-1715), provavelmente em 1655: “L’ État c’ est moi”. Ou seja: “O Estado sou eu”. É grave, que alguém ainda pense assim, 355 anos depois.

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Texto e foto: Letícia Lins / #OxeRecife

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