Francisco, bem-te-vi que caiu do ninho

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Sou católica, mas não carola, não vivo em igreja. Mas rezo diariamente. E há alguns santos dos quais sou muito próxima: Nossa Senhora da Conceição  e São Francisco de Assis. A primeira,  pelo contato com as romarias que via passar na frente de minha casa, ainda nos tempos criança. Era uma fé tão grande estampada na face dos romeiros, das mulheres de pés descalços e crianças vestidas de anjos no dia 8 de dezembro que… virei devota. Até hoje penso que seja milagreira. Quanto ao segundo, tenho muita admiração. No meu entender, ele foi o  primeiro ambientalista da história. E não é à toa que seja considerado “protetor dos animais” e “padroeiro da ecologia”.

Tenho tanta admiração por esse santo que já visitei o templo onde está sepultado (na Itália) e possuo em casa uma coleção de  Franciscos, com pelo menos 50 imagens, produzidas por artesãos de todo o Brasil. Isso sem falar nas biografias que já li ao seu respeito. Não foi à toa, portanto, no dia Dele, tenha me defrontado com esse órfão da foto, caído de um ninho.  Estava terminando minha caminhada matinal, quando vi um bem-te-vi adulto morto no chão, com as perninhas para cima. Tive a impressão que morreu de choque. Dez passos depois, vi uma pequena aglomeração. Eram pessoas em redor desse filhote, que havia acabado de cair de uma árvore alta. “Pega ele, que um passarinho desse é caro”, comentou uma mulher.  Associei logo com a outra ave morta. “Deve ser a mãe dele”, pensei, olhando para o órfão. Antes que alguém pegasse e colocasse em uma gaiola para vendê-lo ou manter o pássaro aprisionado por toda uma vida, eu o recolhi com as mãos e trouxe para casa. Já bebeu água com um conta-gotas. Vi na  Internet que ele gosta de frutas. Peguei uma pinça de sobrancelha e dei-lhe pedacinhos de laranja e banana no bico.  Comeu com avidez.

É esperto, tem muita energia e canta como um louco (penso que é procurando a mãe, tadinho). Só sei que o canto não é triste, não parece estar chorando. Vou alimentá-lo por alguns dias. Caso não se adapte ou dê sinal de que vai precisar de ajuda, levarei para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas Tangara), da Agência Estadual de Meio Ambiente (Cprh). O Cetas é órgão encarregado de receber animais silvestres em Pernambuco, para posterior reintrodução à natureza. Mas acho que o pequeno não vai precisar. Já acolhi aqui em casa outros pássaros com o mesmo problema, com o mesmo tamanho dele, e todos ganharam asas.

Vez por outra, viro “mãe adotiva” desses órfãos adoráveis. E, felizmente, não foram poucos os que caíram, ganharam acompanhamento (empírico e e intuitivo, claro, pois não sou da área) e se mandaram para a natureza que os trouxe.

Fico muito feliz, quando os vejo ganhar os ares rumo às árvores. Bem-te-vi, sabiás e outros cujas espécies não conheço. Já caiu aqui um que me levou ao desespero e ao temor que morresse de inanição, pois travava o bico, não comia de jeito nenhum a fruta que eu tentava lhe dar amassada. Terminei levando o bebê para a Cprh. Não sabia a espécie, não tive como pesquisar seus hábitos alimentares. Lá chegando, descobri o motivo da greve de fome. A espécie, cujo nome não lembro, só gostava de “grãos”, segundo a pessoa que me atendeu no órgão

Pois Francisco – botei esse nome, em homenagem ao Santo – é glutão. Não rejeita comida. Está se alimentando bem. Não tenho gaiola em casa, mas o acomodei em uma caixa de sapatos com água e comida, para ele ir aprendendo a se virar. Pois ele pula, a caixa, passeia por dentro de casa, faz a maior sujeira. Mas não posso ainda liberá-lo, pois tenho certeza que será presa fácil de gente sem noção ou mesmo de predadores. Talvez amanhã o entregue a Cprh, para que ele seja melhor preparado para o retorno à natureza. Mas esperto como ele é, pode ser que nem seja nem preciso. Um final de tarde caiu aqui uma vez um pássaro do ninho. Preparei uma caminha com aquecida e o coloquei na janela do meu quarto durante a noite. No início da manhã, bateu asa e voou. Foi lindo.

Mas o Francisco ainda vai precisar de assistência por uns dias. Daqui a pouco voltarei a alimentá-lo e ofertar água.  O bem-te-vi vive em bosques, mas se tornou uma ave bastante presente na fauna urbana do Recife. Aqui onde resido, em Apipucos, passo o dia ouvindo o canto bem característico dessa espécie de ave silvestre, que ocorre em outros países, como os Estados Unidos. Come insetos (e portanto tem grande papel na natureza) e frutas. Lembro-me, no entanto, que o primeiro bem-te-vi que vi não foi ao vivo. Ainda bem criança, descobri o seu desenho em uma conhecida marca de sabão. Foi a partir da ilustração na embalagem que aprendi a identificar essa espécie de passarinho tão comum no Recife.  E a entender o motivo do nome, já que o seu canto parece dizer mesmo: Bem-te-vi.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos e vídeo: Letícia Lins e Thiago Lins (cortesia)

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