Muito triste, mas muito triste mesmo, a situação do Brasil, hoje presidido por alguém que se nega a reconhecer a própria história do país, contesta a existência da fome, desconhece o desmatamento da Amazônia e libera compulsivamente qualquer tipo de defensivo agrícola, mesmo aqueles de efeitos tão danosos que já foram banidos de outros países. Já são mais de 290 venenos com registros autorizados em 2019, um recorde de acordo com levantamento realizado por entidades ambientalistas, como o Greenpeace.
E que também coloca em risco a situação dos indíos, que há mais de 500 anos vêm sendo massacrados pelos colonizadores e seus herdeiros. O próprio Presidente diz que vai liberar o garimpo em terras indígenas, como se estas já não vivessem mercê de grileiros que nenhum compromisso têm com a preservação desses povos nem da natureza. Negar problemas – como a fome e a destruição do nosso patrimônio verde – é desconhecer uma realidade que deveria nortear políticas de preservação e redes de proteção social para aqueles que mais precisam.
Já se tentou até mudar os livros de história. Para as autoridades que estão no comando do país e, principalmente para o chefe delas, jamais houve ditadura militar no Brasil. Também nunca houve tortura. Ela existiu sim. Conta até com monumento contra a prática, como o Tortura Nunca Mais, que fica Rua da Aurora (foto), no Recife. E aos pés do qual há um memorial com nomes de vítimas que pereceram nas masmorras do regime implantado em 1964. E como não ocorreu em tempos tão distantes, restam sobreviventes para contar a história. Ou seus parentes. O caso do desaparecido político Fernando Santa Cruz é um deles, entre tantos.
A sua mãe, Dona Elzita, faleceu depois de lutar durante décadas para dar um enterro digno ao filho, desaparecido em 1974. O corpo do então estudante de direito nunca apareceu. Depoimentos (de agentes da ditadura) à Comissão da Verdade dizem que ele teria sido incinerado. Apontam até o lugar do forno crematório. Muita investigação foi feita, para se esclarecer não só o caso de Fernando Santa Cruz, como muitos outros, como o cruel assassinato do Padre Henrique, em Pernambuco. Para apurar os crimes praticados pelos aparelhos de repressão durante a ditadura, foi criada a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Na semana passada, a CESMDP reconheceu que a morte de Fernando Santa Cruz foi “não natural, ocorreu de forma violenta causada pelo Estado brasileiro”. Ou seja, o reconhecimento oficial de que o então estudante foi vítima sim, dos torturadores da ditadura. O Presidente da República, no entanto, diz saber muito bem de que Fernando morreu, em recado enviado ao filho dele, Felipe Santa Cruz, que preside a Ordem dos Advogados do Brasil. A declaração permeada de deboche e crueldade, chocou até a comunidade internacional.
Agora o Presidente está sendo acionado no Supremo Tribunal Federal pelo filho da vítima, para que explique suas declarações. O documento encaminhado ao STF tem como signatários, também, ex-presidentes da OAB. E há mais uma novidade quanto às vítimas de tortura: a CESMDP acaba de ter quatro membros substituídos, incluindo a Presidente, Eugênia Augusta Gonzaga, que muito bem definiu o papel da Comissão como sendo de estado e não de governo. “O Presidente agora é o Jair Bolsonaro, de direita, e ponto final. Quando eles botaram terrorista lá, ninguém falava nada. Agora mudou o Presidente. Igual mudou a questão ambiental também”. O recado do homem está dado. Ser de direita, no entanto, não deve se constituir em passaporte para um Presidente desvirtuar a verdade histórica do Brasil, contribuir para detonar a Amazônia, não proteger as populações indígenas e muito menos estimular o genocídio, envenenando a população, com toneladas de agrotóxicos. É por essas e outras que a Nação brasileira se torna perigosamente, a cada dia, mais maniqueísta. Tal qual ocorreu na ditadura. Um perigo!
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Reprodução da Internet (Uol e Flick/Recife)