Gente, do jeito que estão as coisas, quem tiver fotografias como essas da foto – que mantenho aqui na parede da minha casa – deve guardar com cuidado. Viraram relíquias. É que cartazes de filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha) e como o antológico e histórico Cabra Marcado para Morrer (Eduardo Coutinho) estão sendo removidos dos espaços comuns dos prédios da Agência Nacional do Cinema, onde estavam há dezessete anos.
Pelo que se observa, o que se pretende agora, no Brasil, é cinema sem história. É como se a Ancine se negasse a enxergar a produção do cinema nacional que incomoda aos arautos do poder. Afinal, Deus e o Diabo na Terra do Sol mostra o império do coronelismo no Sertão, a seca, o fanatismo, o latifúndio, os jagunços, os matadores de aluguel, os aproveitadores da miséria, em um Nordeste famélico e sem lei, manipulado pelos poderosos. Como acontecia no século passado e como ocorre, ainda hoje, em certos grotões.
Já Cabra Marcado para Morrer, mostra a odisseia de uma viúva, Elizabeth Teixeira, cujo marido foi assassinado em 1962 pelos latifundiários na Paraíba. Perseguida pela ditadura instalada em 1964, a viúva Elizabeth Teixeira comeu o pão que o diabo amassou, no período de exceção. Aliás, não só ela, mas também os filhos do casal. A perseguição provocou a interrupção das filmagens então iniciadas pelo cineasta Eduardo Coutinho. As filmagens da saga da família de Pedro Teixeira só teriam retomadas 17 anos depois. Está, portanto, explicado o que existe por trás da retirada das molduras que contam – em cartazes – um pouco da história do nosso cinema, principalmente aquele movido a engajamento político.
Falar em cinema, um lembrete para o curta Giba e Gringa, que será exibido às 20h dessa quinta-feira, no Cinema da Fundação (Derby). Ele foi realizado em 1983, por três colegas de trabalho, então repórteres da sucursal do Jornal do Brasil no Recife: Letícia Lins ( hoje titular do #OxeRecife), Félix Filho (atuando no governo estadual) e Fernando Castilho (hoje colunista econômico do Jornal do Commercio). É que, como repórter, fui escalada para cobrir os 80 anos de Gilberto Freyre, comemorados com glória sendo ele um medalhão da cultura nacional. Mas, na mesma data, quem completava 80 anos era Gregório Bezerra, líder comunista que havia regressado do exílio e que comemorava o aniversário com a maior simplicidade. Gregório, para os que não lembram, foi o único líder de esquerda em Pernambuco a ser barbaramente torturado em área pública, em 1964. O episódio, de triste memória, aconteceu na Praça de Casa Forte, sendo assistido por estudantes do Colégio Sagrada Família. Para muitos estudantes daquela geração, as cenas de violência ficaram até hoje na memória. O curta a ser exibido às 20h dessa quinta (5) integra a programação da Mostra Casa Grande Severina.
Serviço:
O quê: Mostra Casa Grande Severina
Onde: Cinema da Fundação/ Derby
Filmes exibidos a partir das 20h: Giba e Gringa (Letícia Lins, Félix Filho e Fernando Castilho), Gilbertianas Brasileiras (Geneton Moraes Neto) e o Caseiro (Jonathas Andrade)
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Texto e foto: Letícia Lins / #OxeRecife