O #OxeRecife publicou aqui nesse espaço um texto com memórias afetivas de Conceição Campos sobre Casa Amarela, no qual ela passou toda a infância e onde reside ainda hoje. Como eu, que também fui moradora do tradicional bairro da Zona Norte, minha amiga vivenciou a paisagem horizontal de casas conjugadas, de casarões de famílias abastadas, dos grandes quintais repletos de árvores frutíferas, dos jardins cheirando a rosa e jasmim, como os das minhas tias e dos meus avós maternos, pois a família de minha mãe morava toda em uma mesma rua, a Evaristo da Veiga (paralela à Rua da Harmonia). Não havia muros separando as casas da família, e os quintais eram uma grande festa para a criançada.

Hoje, o único sobrado que resiste na Evaristo da Veiga é justamente o que foi de minha mãe. Os outros foram demolidos e cederam lugar a espigões. Assim é, também, no entorno da casa ainda térrea de Conceição, que fica próximo ao Colégio Santa Catarina, de onde praticamente só se vê arranha-céu. Os casarões que sobraram foram poucos, como vocês podem observar no último post da série Sessão Recife Nostalgia publicado hoje aqui no #OxeRecife (ver nos links abaixo). É que após uma caminhada do Grupo Bora Preservar, no mês passado, nós duas decidimos visitar vias não incluídas no roteiro, para ver o que sobrou do século passado, entre casas, casarões, “vendas”, jardins e quintais que eram verdadeiros pomares.
Recentemente, fiz uma outra incursão. Dessa vez, durante minha caminhada matinal, para observar não os casarões do passado, mas sim os “monstros arquitetônicos” ou “arranjadinhos” que surgiram na paisagem, ao longo de um trecho da Estrada do Arraial, uma das principais vias da Zona Norte. Selecionei apenas três exemplares de arquitetura “hostil” aos nossos olhos. Um deles é esse prédio azul e rosa, que fica na esquina da Arraial com a Desembargador Góis Cavalcanti. Ele foi erguido no lugar de uma bela residência, com terraço em arcos e que chamava a atenção de quem passava. O segundo é o esqueleto de um supermercado, em frente à antiga sede do América Futebol Clube. Trata-se de uma agressão aos nossos olhos, concordam? Tão “bonito” que sua edificação chegou a ser questionada pelo IPHAN, pois agride a paisagem no entorno do Sítio da Trindade, que é um local histórico.
Por fim, esse “arranjadinho” azul da foto abaixo. Lembro-me bem dessa casa, de sua fisionomia original. Não chegava a ser um palacete. Mas era bonita, quando usada como residência de família. À medida que foi sendo ocupada por empreendimentos comerciais, foi perdendo a beleza e o encanto, processo parecido com o que ocorre com os prédios antigos do Centro do Recife, que são descaracterizados por comerciantes sem noção, enquanto os órgãos municipais fazem vista grossa aos atentados estéticos que roubam a beleza e a memória do Recife.
A violência também provoca paisagens mais agressivas. Na esquina da Rua Ferreira Lopes com a Estrada do Arraial há uma bela mansão, que pertenceu à família de Othon Bezerra de Melo. Tinha muros vazados e todos admiravam seus jardins, quando passavam na calçada. Hoje o imóvel é ocupado pelo Consulado da China, os muros são mais altos. E os espaços antes vazados, foram totalmente obstruídos com concreto. Para completar, uma cerca farpada e eletrificada cerca todo o terreno. Do jeito que vai, já já a gente tem um “Recife sem mais nada”, como já advertia Manuel Bandeira, nos anos 30 do século passado. Imaginem se o poeta fosse vivo hoje!

Nos links abaixo, confira informações na série Sessão Recife Nostalgia
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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife