Entre os pães e os sem noção

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Pernambuco tem população carcerária que chega a 29.900 mil pessoas, das quais trabalha uma pequena parte. Pois gente dessa turma que está realmente em  processo de socialização, dá, agora, uma lição de solidariedade com as famílias que foram punidas sem que tenham cometido nenhum crime. Porque foram punidas com a inércia do poder público, e enfrentam consequências de uma enchente que poderia ter sido evitada. Ou que podia, ao menos ter sido amenizada, se as barragens prometidas para conter a fúria dos rios (em 2010) tivessem sido concluídas no tempo previsto. São seis, das quais apenas uma (Serro Azul) ficou pronta. Quatro foram iniciadas e uma outra nem sequer começou.

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Pois os presos estão produzindo pães para as vítimas das enchentes da Mata Sul e do Agreste. São 35 detentos, que fabricam 12 mil pães por dia, que saem dos fornos  do Recife, da Zona da Mata e do Agreste. Acontece em três unidades prisionais do Curado. E também em outros presídios e penitenciárias, localizados em Canhotinho (centro Regional do Agreste), Palmares (Presídio Romildo da Rocha Leão) e Caruaru (Presídio Juiz Plácido de Souza).  Vejam que coisa bonita. Os detentos que trabalham na ação, apesar de já atuarem na cozinha das unidades, consideram essa atividade muito especial. “A gente faz isso todo dia, mas agora é com mais amor ainda, porque a gente está ajudando a quem precisa”, destaca Emerson Francisco da Silva, 20 anos. Há três meses, ele trabalha na padaria localizada no Curado. Pois fiquem sabendo: tem muita gente fora das grades que ao invés de ajudar, atrapalha.

Presidiários fabricam 12 mil pães por dia, para enviar às vítimas da cheia no Agreste e Zona da Mata.
Presidiários fabricam 12 mil pães por dia, para enviar às vítimas da cheia no interior: solidariedade atrás das grades.

São pessoas que deveriam seguir o exemplo de Emerson.  Mas que ao invés de pensar em ajudar quem ficou sem nada, aproveitam para descartar o que só faz incomodar dentro de casa. Levam roupas rasgadas, sujas, sapatos com um pé só, para os pontos de coleta. Já vi isso em 2010,  quando quase 80 mil pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas, na enchente que destruiu a Mata Sul. Trabalhava no jornal de circulação nacional, e cheguei a fazer uma reportagem sobre isso, onde acusei minha indignação, diante de montanhas de tralhas imprestáveis, chamadas de “doações”. Quem faz isso é responsável por um abuso duplo. Porque tripudia em cima de quem já foi tripudiado pelo destino, e dos voluntários que ficam com trabalho dobrado.

Voluntários  que poderiam ganhar tempo se tivessem apenas de fazer embalagens para enviar logo às vítimas. Mas que perdem muitas horas separando o joio do trigo. Ou seja, o que presta (e pode ser aproveitado) e o que não presta (e só serve para ir para o lixo). Vejam o que disse Fábio Silva, Presidente do Novo Jeito, que faz do ato de servir o seu ofício. “De todos os donativos, 80 por cento correspondem a roupas, mas só 30 por cento têm condições de serem usadas”. Ele diz que a seleção de doações é necessária “porque nem todas podem ser aproveitadas”. Lembro que em 2010, como as bibliotecas  foram destruídas pelas enchentes, houve um apelo para doação de livros para as escolas. Pois teve gente que doou revista velha, livros de contabilidade de empresas,relatórios vencidos do Ibge e até cadernos usados, sem uma folha limpa. Era tralha que não acabava mais. Essas  pessoas que fazem esse tipo de desfeita só podem não são só nada solidárias. São totalmente sem noção.

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação

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