Que a Igreja Católica tem muito dinheiro, todo mundo sabe. Ao longo da história, não são poucas as doações feitas por seus fiéis, inclusive grandes pedaços de terra e até capelas, como era comum ocorrer no passado. Muitas dessas doações eram resultantes do pagamento de promessas, de graças conseguidas. Nessa segunda-feira, será lançado um livro que mostra como os padres da Companhia de Jesus acumulavam riquezas, ao mesmo tempo que catequizavam indígenas, educavam jovens e propagavam sua fé nos tempos coloniais. Desaparecida por sete décadas, a lista com aquelas transações – uma verdadeira relíquia histórica – agora pode ser conhecida em livro a ser lançado nessa segunda-feira (27/9), no Recife.
Os religiosos da Companhia de Jesus viveram em Pernambuco nos séculos 16, 17 e 18, onde estavam desde 1551. Ao longo do período, conquistaram imóveis, escravos, animais e outras posses. Mas perderam foi tudo, quando expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal, em 1759. A lista de posses, até então inédita em livro, consta do volume Bens dos Jesuítas – Bens Livres e de Encargo Pertencentes aos Colégios de Olinda, Recife, Paraíba e Ceará, que será lançado logo mais, às 19h, no auditório do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, a quem pertence o documento original, totalmente manuscrito. A edição é da Cepe Editora (Companhia Editora de Pernambuco). A publicação tem 396 páginas. “O livro é fonte primária (escrita por quem viveu a história naquele momento) para historiadores, economistas e linguistas, e a publicação pode suscitar muitas pesquisas”, afirma Gilda Verri, que o organizou com Ana M. Santos Pereira.
E nem vai ser preciso o leitor se preocupar em decifrar o português antigo (que às vezes nos dificulta o entendimento). É que o título lançado pela Cepe contém a transcrição paleográfica do manuscrito e uma versão atualizada do documento de acordo com as regras ortográficas em uso no País. “É importante oferecer as duas opções de leitura porque o livro fica acessível ao público em geral e ao mesmo tempo preserva a ortografia antiga, o modo como se escrevia no século 18, para pesquisadores da área de linguística”, observa Gilda Verri.
No manuscrito há anotações de diferentes escrivães que registraram, de 1765 a 1768, o destino dado aos bens dos padres: quem comprou e quanto pagou. Fica-se sabendo, por exemplo, que o Engenho Monjope (em Igarassu, foto maior) foi da Companhia de Jesus. O engenho, belíssimo, é tombado como patrimônio de Pernambuco, mas está totalmente abandonado pelo Estado. Não há no site e a assessoria de imprensa informou não dispor desse material. Porém elas foram encontradas, e à noite a Fundarpe enviou fotos mais recentes (2019) do engenho para o #OxeRecife. No Centro da capital, os religiosos tinham imóveis nas atuais Rua Diário de Pernambuco (antiga Rua das Cruzes) e Duque de Caxias (antiga rua dos Queimados), ambas em Santo Antônio (Centro), que aparece no plano e planta acima. Também tinham na Rua Domingos José Martins ( antiga , Rua da Senzala), no bairro do Recife. De acordo com as autoras, hoje não é mais possível identificar o local exato desses imóveis.
Depois do confisco, o governo português se desfaz de casas, de engenhos de açúcar e fazendas de gado na zona rural e de escravos que tinham no Recife e em outras localidades. Um economista que estuda o tema da escravidão vai encontrar no livro o preço de venda de escravos e escravas, assim como o valor de imóveis, diz Gilda. O livro também traz um texto do arquiteto e urbanista José Luiz Mota Menezes (falecido no dia 6 último aos 85 anos) indicando, quando possível, a localização atual de cada um dos bens declarados. Além de mapas antigos que mostram como era o Recife no tempo em que os padres jesuítas viveram no Brasil colonial.
A lista dos bens dos jesuítas ficou desaparecida por mais de 70 anos, até ser recuperada pelo Instituto Arqueológico em 2007, quando o primeiro secretário da entidade, Reinaldo Carneiro Leão, a encontrou numa livraria antiquária em São Paulo. O documento foi restaurado e desde 2012 é reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Memória do Mundo do Brasil (MoW Brasil). De acordo com Gilda Verri, não consta na lista a origem das doações feitas aos padres.
“Elas vinham, principalmente, de comerciantes e donos de engenho como pagamento de promessas. Essa riqueza ajudou a sustentar as atividades dos religiosos”, informa o Secretário do Instituto Arqueológico. O manuscrito original está acondicionado da forma correta e não pode ser manuseado.
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Serviço
O quê: Lançamento do livro Bens dos Jesuítas – Bens Livres e de Encargo Pertencentes aos Colégios de Olinda
Quando: 27 de setembro
Hora: 19h30
Local: auditório Ramires Teixeira do Instituto Arqueológico (Rua do Hospício, 130, Boa Vista, Centro do Recife). O evento será transmitido pelo instituto (YouTube e Facebook)
Preço: R$ 85 (impresso)
Onde comprar: Lojas físicas e loja virtual da Cepe (www.cepe.com.br/lojacepe/)
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto (Roberto Carneiro/ Fundarpe)
Ilustações: Cepe / Instituto Arqueológico / Divulgação