“Do silêncio da noite testemunha de minhas amarguras” à “flor das algarobas”

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“O silêncio da noite é que tem sido testemunha de minhas amarguras”. A frase tão profunda e também tão poética é de Severina Branca, 80, poeta popular do Sertão do Pajeú, região que é conhecida como um celeiro de cantadores, violeiros, repentistas, emboladores. Com veias em que parecem correr mais versos do que sangue, Severina é a principal estrela do documentário dirigido por Petrônio Lorena e que faz sucesso em qualquer lugar onde é exibido. O documentário ganhou como título a frase acima aspeada.

O filme  mostra a poética, a métrica e a vida dos artistas populares daquela região, principalmente de São José do Egito, município localizado a 400 quilômetros do Recife.  Mas – mesmo sem tirar o mérito dos outros personagens que aparecem na produção – quem brilha, mesmo, é Severina Branca (fotos), cuja vida não só rendeu filme, como daria também um bom e novelesco romance. Figura tão especial e respeitada entre os colegas de inspiração, ela agora é de novo homenageada. Dessa vez no novo single do cantor PC Silva, conterrâneo e admirador da obra da sertaneja. A música chama “Flor das Algarobas”.

Só não gostei de “algarobas” que embora seja muito associada à paisagem do Sertão, é uma planta exótica, muito resistente à seca e que por esse motivo foi introduzida na Caatinga. Tudo devido aos seus múltiplos usos e porque suas vagens servem para fazer ração para o gado. A árvore ocorre originalmente no México, na América Central e no Norte da América.  Será que não era melhor chamar o single de “Flor da Caatinga” ou “Flor de mandacaru”? Em todo caso, o nome da planta é bem sonoro e pode render um bom ritmo em verso. “O título é uma reflexão sobre o fato de quase nunca cantarem sobre essa árvore, que apesar de ser exótica, tem em abundância no Sertão. E são poucas as homenagens a Severina Branca, mesmo sendo uma das poetas mais antigas da região”, diz PC. “Achei que valia a pena escrever e compor para ela, fazendo associação com a flor das pouco lembradas algarobas”.

Licenças poéticas à parte, o fato é que a música sobre a moradora do Serrote Pintado, na área rural de São José do Egito já está nas plataformas digitais. Severina Branca é, e será, sempre uma estrela da poesia popular. Não é à toa, portanto, que virou tema da segunda música do novo álbum de PC Silva, batizado de “Me Dê Notícias do Universo”. O lançamento do álbum deve ocorrer no mês de outubro. Enquanto não acontece, PC Silva vai lançando – em doses homeopáticas – as músicas que comporão o trabalho.

Já Severina Branca, não se fez poeta. Ela nasceu poeta. Não teve educação formal, e é surpreendente a sua habilidade em criar versos, rimas e métricas. No seu repertório, passam amores, saudades, perdas, traições, decepções e sofrimentos no dia a dia, muitos deles vivenciados nos cabarés onde viveu seus tempos de boemia. Ela é conhecida pelo uso daquele mote (verso duplo e repetitivo balizador do poema inteiro) autobiográfico “O silêncio da noite é que tem sido / Testemunha das minhas amarguras”, já tomado emprestado, como dito acima, como título no documentário de Petrônio sobre poetas da região, em que ela é o grande destaque.

Em “A Flor das Algarobas”, a letra de PC Silva sob melodia de Juliano Holanda, faz uma alusão elogiosa à homenageada. Fala de  “versos de prata/ Peito de chumbo/ Carmim de amor carnal/ Flor de cor roxa/ Bonina rosa/ Dourado matinal”. Também aborda a vida movimentada a paixões de Severina, nos seus tempos de cabaré: “Nomes e cores/ Dores e amores/ Poeta fêmea/ Serás e foste/ Mais que o silêncio é Poeta fêmea. A planta exótica aparece na última estrofe da “Flor das Algarobas”, como  “pariceira” de Severina. “Irmã da solidão/ E amiga de quem é/ Sua pariceira/ A noite vai trazerTecidos pra vestir/ A flor das algarobas”.

PC Silva  bebe na fonte onde nasceu. Ele é pernambucano do Sertão do Pajeú e considerado um dos nomes de destaque da cena musical contemporânea do estado. Pertence ao movimento Reverbo, que reúne cantores e compositores da nova safra de artistas locais cujos trabalhos têm sensibilizado plateias nacionalmente. Lançou, em 2020, o primeiro álbum, “Amor, saudade e tempo”. E tem composições gravadas por Ney Matogrosso, Simone e Monica Salmaso.

Ouça aqui a composição: https://tratore.ffm.to/aflordasalgarobas. Abaixo mais informações sobre PC Silva e outros artistas pernambucanos.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Álvaro Severo / Divulgação

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2 comments

  1. Belíssimo texto ,Letícia!
    Maravilhosa,Severina Branca.A potente frase que abre o texto já prenuncia a grandeza dessa poeta do Sertão do Pajeú.
    E a letra de PC Santos é uma bela homenagem à conterrânea.

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