Ditadura: a dificuldade dos escritores

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Transportadas em parte para teatro no mês de julho e novamente em cartaz neste final de semana, as cartas trocadas entre os escritores Osman Lins e Hermilo Borba Filho não são mais inéditas. Nada menos de 199 delas constam do livro Osman e Hermilo – Correspondência, que será lançado na noite da quinta-feira (26), no Museu do Estado de Pernambuco, a partir das 19h. Ex professor (Hermilo) e ex-aluno (Osman), os dois  – na foto com Leda Alves – se tornaram grandes amigos, quase irmãos. Como moravam em cidades distantes – um em São Paulo e o outro no Recife –  eles se corresponderam entre os anos de 1965 e 1976, quando trocavam ideias sobre a literatura, a condição de escritor, a vida política do Brasil durante a ditadura, a linha editorial equivocada do Instituto Nacional do Livro nos anos 1970, a censura. Mas também falam de viagens inspiradoras para as obras dois.

Era uma “amizade epistolar”, como Osman costumava definir, já que naquele tempo a carta era o meio mais prático de conversar com os amigos distantes, pois a telefonia interurbana era então muito cara e não existia a Internet. O livro foi organizado por Anco Márcio Tenório, Professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco, que teve o cuidado de adicionar notas de rodapé que muito orientam os leitores (principalmente os mais jovens) a contextualizar fatos e personagens daquela época. Para quem lê, a obra motiva um interesse duplo: mergulhar no pensamento de dois grandes escritores, que discorrem sobre obras e situações, assim como vivenciar as dificuldades sofridas por intelectuais em tempos obscurantistas em que não só o Brasil, mas a maioria dos países da América Latina viviam ditadura militares e sangrentas.

“É gozado, quando um escritorzinho qualquer da União Soviética sofre uma pressão do governo, a Associeted Press, a United Press, todas agências noticiosas do Ocidente fazem um carnaval que dá até vontade da gente por uma fantasia e sair por aí sambando. Quando a coisa é do lado de cá, o silêncio é perfeito, liso, nenhuma perguntinha”, afirma Osman, em carta enviada Hermilo, no dia 2 de fevereiro de 1970. Hermilo também fala no assunto. “Os jornais brasileiros atacam a Rússia por causa de Soljenítsin, mas os jornais brasileiros nada dizem do governo que sufoca os intelectuais”, reclama. Diretor de teatro, ele enfrentou, na época, uma censura inacreditável: foi impedido de encenar Sobrados e Mocambos, peça baseada no livro do mesmo nome de Gilberto Freyre. Quanto ao russo, tanto ele quanto Osman se referem a Alexander Issaiévich Soljenitsin  (1918-2008), autor que não escondia a simpatia por regimes pouco democráticos como o de Augusto Pinochet (Chile) e Francisco Franco (Portugal), que eram ditadores de direita.

Osman e Hermilo trocam ideias sobre livros em elaboração, discordam de algumas publicações falam sobre a importância social da literatura. “”Como as pessoas custam a aprender um modo mais ou menos sensato de viver”, diz Osman. “Que se pode fazer? Para isso, escrevemos, também, para que os modos estereotipados de ver e viver sejam alterados”.  E mostra a preocupação, também, com o destino da educação, cuja militarização é tão defendida pelos poderosos de Brasília, nos dias de hoje. Relata Osman, em carta enviada a Hermilo, em 13 de maio de 1970.

 “Nos últimos dias, ando meio escabreado. O Secretário de Educação foi afastado e, em seu lugar, está o Secretário de Segurança Pública. Isto é, o mesmo coronel está acumulando as secretarias da Segurança Pública e da educação. Acho uma versatilidade fantástica”.

Ele também mostra preocupação com reação do governo a textos que então escrevia para romance, relativos a um casal em quarto. “Agora que o Presidente da República, começando a resolver os grandes problemas nacionais, preocupa-se com a “ licenciosidade”, não sei como é que vai passar essa parte do quarto, pois o homem e  mulher que lá estão não gostam muito de  rezar nem são do tipo que passa a noite jogando dominó”, ironiza. Em uma carta, datada de 21 de dezembro daquele mesmo ano, Hermilo lamenta a devolução dos originais do seu livro Deus no Pasto, ato que o editor Ênio Silveira confessa ter feito “com tristeza e vergonha”, dizendo, segundo Hermilo “ser impossível publicar o romance nesses agitados dias”. Na mesma noite dessa quinta-feira, serão relançados Agá  (de Hermilo) e Os Casos Especiais, de Osman Lins, com roteiros de Osman.

Na verdade, são  roteiros que foram produzidos e transmitidos pela TV Globo, nos anos 70 do século passado. Das três produções que foram veiculadas,  só resta uma cópia (A Marcha Fúnebre). O livro traz comentário de Adriano Portela, estudioso da obras teatral de Osman, e  responsável pelo resgate do único vídeo que sobrou dos Casos Especiais, produzidos pela TV Globo (os outros são A Ilha do Espaço e Quem tem Medo de Shirley Temple).  Os três livros foram editados pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). Adriano lembra que Osman Lins foi o primeiro ficcionista brasileiro a escrever diretamente para aquele formato exigido na TV, em um momento em que os textos eram produzidos e depois adaptados  para a telinha.

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Serviço:
Lançamento de Agá (Hermilo Borba Filho), Casos Especiais (Osman Lins) e Osman e Hermilo – Correspondência (organização de Anco Márcio Tenório)
Data: 26.09.2019
Horário: 19h
Onde: Museu do Estado de Pernambuco
Endereço: Avenida Rui Barbosa, 960, Graças, Recife

Valores dos livros:
Agá, de Hermilo Borba Filho – R$ 50,00 (impresso) e R$ 15,00 (e-book)
Os casos especiais, de Osman Lins – R$ 25,00 e R$ 7,00 (e-book)
Osman e Hermilo – Correspondência – R$ 60,00 (impresso) e R$ 18,00 (e-book)
Valor do combo (compra dos três livros) – R$ 120,00

Serviço
O quê: Cartas (peça teatral baseada na correspondência de Hermilo Borba Filho e Osman Lins)
Onde: Luni Estúdio Cultural (Rua Olímpio Tavares, 46, Casa Amarela)
Ingresso: R$ 20 (preço único)
Quando: sábado (28) e domingo (29)
Horário: 18h
Venda antecipada (Sympla): encurtador.com.br/JRX45
Informações: (81) 9 95218042

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife 
Foto: Divulgação

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