Ele funciona em um bonito casarão. Os mais antigos o chamavam de Sobrado Grande da Madalena. Madalena, na realidade, é um bairro que teve origem em um dos engenhos de cana de açúcar que dominavam Pernambuco, nos tempos do Brasil colônia, em que a economia era marcada pela absurda utilização de mão de obra dos escravizados, que vinham da África. Posteriormente, o imóvel serviu de residência a João Alfredo (1835-1919), que teve participação ativa na lei que acabaria, pelo menos oficialmente, com o regime de cativeiro imposto aos negros. Hoje, escondido por conta de um viaduto construído ao seu lado, o Museu da Abolição quase não é visto pelos passantes.
O que pouca gente sabe, é que o acervo de cultura africana do MAB é muito rico. E guarda aspectos marcantes de países e grupos étnicos de África, sobretudo formas de criar, cultuar e perceber o universo através de esculturas, máscaras e outros tipos de objetos. Para tornar esse acervo mais conhecido, está sendo lançado nessa quinta (27/01) um catálogo inédito sobre a coleção de arte africana do do Museu da Abolição. O catálogo é uma iniciativa do Coletivo Mandume. E mostra 107 peças oriundas de 12 nações africanas: Camarões, Costa do Marfim, Gabão, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Máli, Nigéria, República Democrática do Congo, Serra Leoa e Zimbábue.
Curioso é que as peças do acervo de arte africana chegaram ao MAB em dezembro de 2016, graças a uma apreensão da Receita Federal. A publicação digital foi elaborada por produtores culturais negros de Pernambuco e se chama Cultura Material africana: primeiro catálogo do Acervo de Arte Africana do Museu da Abolição. Ela mostra obras como máscaras, utensílios e esculturas que nos ajudam a entender a cultura forte e rica dos nossos ancestrais.
O catálogo será lançado em um evento virtual. A obra é assinada por Sandir Barros Costa, Isabelle de Oliveira Ferreira e Wellington Ricardo da Silva (os dois últimos aparecem na foto superior). Será publicada pela Editora Universitária (UFPE) e estará disponível gratuitamente para download no site da mesma (www.ufpe.br/editora) e do Museu da Abolição (museudaabolicao.museus.gov.br) a partir desse dia 27. Às 19h desta quinta-feira, será realizado o lançamento oficial do catálogo, em live transmitida pelo perfil do Instagram do MAB (@museuabolicao) e do Mardume Coletivo Cultural (@mandumecultural). O Mandume é um coletivo que se propõe a repensar o lugar da população afro-pernambucana no mercado cultural a partir do desenvolvimento de projetos, ações formativas e consultorias. A publicação contou com recursos do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura), do Governo do Estado de Pernambuco, na modalidade de Microprojeto Cultural.
“O objetivo da obra é permitir o acesso gratuito, integral e facilitado ao acervo de arte africana do Museu da Abolição (MAB), localizado no Recife. E a partir daí fomentar reflexões sobre a importância do universo cultural africano que problematizem as narrativas encontradas na indústria cultural, que frequentemente partem das perspectivas fetichizadas, estereotipadas e esvaziadas de reflexões sobre aspectos de África”, afirma o Coletivo. De acordo com o Mandume, o acervo de arte africana do MAB “é uma amostra da cultura material de povos sofisticados, desenvolvidos e que se preocupam com noções de sustentabilidade, tecnologia, inovação, desenvolvimento e ancestralidade.”
“Cada elemento presente neste catálogo foi pensado para ampliar a experiência do leitor e aguçar ainda mais as reflexões sobre o valor cultural e histórico dessa coleção. Um conjunto de elementos, como cores, tipografias, fundos, ângulos, imagens, ilustrações e alguns termos foram aprimorados para comportar os principais atributos deste acervo”, destaca Wellington Silva, produtor cultural e um dos idealizadores do catálogo. Graças à publicação do catálogo digital, o público poderá ter acesso a toda coleção de arte africana do MAB. Até o início de 2022, apenas 32 peças haviam sido expostas no Museu. Ou seja, todo o restante era desconhecido do público. Com a conclusão em breve da reforma no MAB e a flexibilização das regras de convívio com a Covid-19, a perspectiva é de que os frequentadores voltem a ter acesso in loco à coleção.
“O acesso gratuito a esse material poderá aproximar diversos públicos de uma coleção com grande potencial de pesquisa e trabalhos culturais. Com o fechamento do MAB devido à reforma, o acesso a essa coleção, em sua completude em exposições, ainda é incerto, mas, a nossa certeza é que diversas pessoas conhecerão essas peças por meio desse material”, pontua Isabelle Ferreira, pesquisadora e uma das idealizadoras do catálogo. Além de Isabelle Ferreira, Sandir Costa e Wellington Silva, o evento de lançamento contará com a participação de Suênia Damásio, Sales Mesmo, Luana de Oliveira, Jefferson Henrique e Thuanye Duarte, jovens negros selecionados para compor a construção do conteúdo fotográfico destinado ao material e participar da imersão sobre cultura material. A iniciativa incluiu formações sobre África e diáspora, arte africana, fotografia e produção cultural, através de atividades presenciais que respeitaram todos os protocolos de segurança sanitária.
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Serviço:
O que: Lançamento do catálogo digital “Cultura material africana: primeiro catálogo do Acervo de Arte Africana do Museu da Abolição”
Quando: Dia 27/01 Onde: Instagram do Museu da Abolição (@museuabolicao) e do Mandume Coletivo Cultural (@mandumecultural)
Horário: 19h Evento online e gratuito
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Coletivo Mandume / Divulgação