Pensem em um bicho asqueroso. Uma vez, eu estava no Sítio Trindade, em Casa Amarela, quando um homem chegou ao posto de vacinação de caninos com um totó tão mal cuidado, que imediatamente a parede ficou cheia de carrapatos. Foi muita gente tentando matar os insetos. De outra, em visita a uma área rural, sentei em uma cadeira de palha de vime e comecei logo a me coçar. Era cada calombo imenso e só quando saí da entrevista, vi que o móvel estava cheio daqueles bichinhos nojentos, que normalmente nos passam doenças e desconforto. Na casa de veraneio de um casal de idosos, em Teresópolis, no Rio de Janeiro, o alerta foi acesso. Os dois sofriam com picadas noturnas, com intensa reação inflamatória. E carrapatos foram achados na residência. Antes da dedetização do imóvel, alguns foram preservados. Resultado: a descoberta de uma provável nova espécie que inclusive ainda não foi identificada.
Os carrapatos em questão são aqueles da foto acima. Ambos são de uma mesma espécie, porém as cores diferem para o macho (B) e para fêmea (A). A informação sobre a possível descoberta dessa nova espécie acaba de ser divulgada em artigo publicado na conceituada revista Acta Tropica, da Elsevier. O autor principal é o pesquisador Filipe Dantas Torres, da da Fiocruz Pernambuco. Ele realizou os estudos morfológicos e genéticos desses carrapatos, juntamente com seus orientandos Kamila Sales e Lucas de Souza Paula, ambos egressos do doutorado em Biociências e Biotecnologia em Saúde dessa instituição de ensino e pesquisa. O pesquisador Mauro Marzochi, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), foi o responsável pela coleta, em Teresópolis (RJ) e encaminhamento à Fiocruz PE.
Ao todo foram coletados e enviados ao Recife 16 exemplares. Participaram também da investigação os estudiosos Sebastián Muñoz-Leal, da Universidade de Concepción (Chile); Jonas Moraes Filho, Universidade Santo Amaro; e Marcelo B. Labruna, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP. No Brasil há cerca de 70 espécies de carrapatos, sendo que o carrapato-estrela e o carrapato-vermelho-de-cão são considerados os mais perigosos. A espécie mostra semelhanças morfológicas com a Ornithodoros mimon – espécie de carrapato já descrita na literatura, que tem os morcegos como hospedeiros principais – porém com relevantes diferenças genéticas.
Na pesquisa foi identificada também a capacidade desses carrapatos parasitarem seres humanos e abrigarem uma nova bactéria do gênero Rickettsia, já relatada em outros estudos no Brasil, mas ainda não formalmente descrita, cujo potencial de causar doenças ainda é desconhecido. Então, todo cuidado é pouco. O artigo reforça a necessidade de aprofundamento dos estudos tanto para avaliar formalmente o status taxonômico desta espécie de carrapatos, como para investigar a patogenicidade da bactéria presente no organismo deles. Lembrando que algumas espécies de riquétsias são causadoras, por exemplo, da febre maculosa e do tifo epidêmico. Então, como sempre, todo cuidado com esse bicho é pouco.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Fiocruz / Divulgação