Primeira cidade do Nordeste a receber a CowParede Brasil – evento internacional de arte urbana que já percorreu várias cidades do mundo – o Recife dá um vergonhoso exemplo de falta de cidadania e desrespeito à arte. E talvez até prova de preconceito. Decoradas por artistas pernambucanos, as vaquinhas começam a sofrer ações de vandalismo. A primeira “vítima” foi My Little Cowny, de Giovanna Simões, que está exposta no Parque Dona Lindu. A vaquinha prega respeito à diversidade sexual e teve o unicórnio quebrado. Coincidentemente, a segunda “bovina” vítima, é de autoria da dupla de arquitetos Zezinho e Turíbio Santos.
O casal pertence à alta sociedade, e quebrou paradigmas no Recife tradicional, ao promover uma festa de arromba para celebrar a união homoafetiva, em 2010. Natural, portanto, que ambos fizessem uma referência afetiva à Bebeth Perman, que foi a decoradora da festa de matrimônio dos dois. Ela morreu em um acidente de carro. A vaquinha da dupla está uma graça, coberta de flores amarelas, vermelhas, laranjas. Tudo a ver com a profissão de Bebeth. Além dos adereços artificiais, a intervenção conta com a incrustação de centenas de sempre-vivas. Vivas mesmo, talvez como símbolos da vida e da lembrança daquelas pessoas que a gente gosta para sempre.

Bebeth é um sucesso, no calçadão de Boa Viagem, à altura do Edifício Mirante, onde está “hospedada”. Ouvi muitos comentários sobre a vaquinha dos Santos. “Pensei que era uma homenagem ao Acho é Pouco, mas ao me aproximar, vi que as flores são vermelhas e alaranjadas, e não amarelas”, dizia uma senhora, referindo-se ao famoso bloco de carnaval de Olinda, cujas cores são o vermelho e o amarelo. “Acho que nada tem a ver com carnaval, deve ser uma homenagem à diversidade”, dizia outra, referindo-se ao famoso casal. E enquanto isso, faziam fotografias ao lado da Bebeth. Em cinco minutos, sete pessoas pararam, tiraram fotos, comentaram.
Interpretações à parte, curiosa que sou, peguei no colar de Bebeth. Era solto, não estava pregado no dorso da escultura. E achei estranho que ele ainda não tivesse sido roubado. E não é que o furtaram nesta semana? É muita falta de respeito. No mesmo calçadão, me defrontei com a Vaca da Meia Noite, em frente ao Edifício Acaiaca. Boa homenagem do artista Dante a um dos ícones do nosso carnaval, mas não tão criativa quanto a deslumbrante Bebeth. Gostei mesmo foi da vaca Orla Marítima Bovina do Recife, do artista Jeims Duarte. Ele mostra os dois lados da nossa orla: os espigões de Boa Viagem e uma paisagem paradisíaca, cheia de coqueiros, do nosso litoral. Os espigões ficam de lado para o mar. E os coqueiros, para o asfalto. Boa sacada, que me remeteu a um outro bloco carnavalesco, o Empatando Minha Vista, que é contra a especulação imobiliária, e que surgiu no rastro do movimento Ocupe Estelita e da formação do grupo Direitos Urbanos. Quem andar pelas ruas do Recife, ainda tem um bom tempo para ver a CowParade. Isto é, se não levarem as vacas.
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Texto e foto: Letícia Lins / #OxeRecife