Que pena que não estarei hoje em Salvador, para ver a 22ª edição da Caminhada Azoany, que sairá da Igreja de Rosário dos Pretos (no Pelourinho) e que seguirá até a Igreja de São Lázaro (no bairro da Federação), com tudo que a Bahia tem direito com o seu forte sincretismo religioso, as crenças, tambores, ancestralidade. O início do cortejo está marcado para 13h.
Em 2019, a Caminhada tem como tema “Cultura e fé: Azoany orixá e inquise na defesa do povo de santo”, e integra projeto que faz parte da Rota Ancestral de Salvador, que tem como objetivo somar esforços nas lutas contra a intolerância religiosa. E em favor da preservação do patrimônio imaterial, integração das mulheres e homens de axé, e fortalecimento das heranças africanas.
O cortejo conta com apoio da Secretaria de Cultura da Bahia, por meio do Centro de Culturas Populares e Identitárias. O evento resgata a memória da Revolta dos Búzios, que eclodiu no século 17, e que terminou como enforcamento de quatro conjurados (soldados) negros e pardos, enquanto um branco (médico e jornalista) foi punido com pena branda. A Conjuração defendia independência, governo republicano e democrático, livre comércio e igualdade racial.
Já São Lázaro é um dos santos mais populares e cultuados em Salvador entre os católicos, tendo associação forte com as divindades do candomblé: Azoany (do jeje), Kavungo (Angola) e Obulaê (na tradição ketu). Na tradição católica, Lázaro é tido como exemplo de amor e abertura de Deus para com os mais pobres e marginalizados. No candomblé, Omulú/ Obaluaê é o orixá responsável pelas doenças e pela passagem dos espíritos do plano material para o espiritual. O antropólogo Fernando Batista explica que no candomblé só duas divindades que andam na terra bem próximas aos homens: Omulu e Exu.
“Isso porque Omulu representa justamente as pessoas que encontramos pelas ruas, as doentes, as que não possuem abrigo. Todas essas pessoas representam um pouco Omulu”, explica. No final do ano passado, estive em Salvador com Fernando Batista, de quem sou amiga, e ele me levou até a Igreja de São Lázaro (foto ao lado), onde me surpreendeu com o banho de pipoca, que é muito tradicional em Salvador, já que o costume significa proteção. A chuva de pipoca nos é jogada por baianas que ficam no Pátio da Igreja de São Lázaro, “rezando” os que procuram amparo em São Lázaro/ Omulu.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Ilustração: Casa de Veludo (Salvador) e foto de Fernando Batista