Uma vez, eu estava em um bar, na Praça de Casa Forte, com um grupo de amigos. De repente, passa um desconhecido e pede para sentar na nossa mesa. Não bebeu nada e falou muito pouco. Mas ao fim da noite, levantou-se com um sorriso e me deu um abraço. A mim e a meus amigos. “Eu saí de casa pensando em me matar, mas encontrei pessoas tão divertidas, que mudei de ideia”, disse o homem, do qual jamais soubemos o nome. Ficamos surpresos com a revelação, que nos pareceu tão inusitada. Mas de inusitada, ela não tinha nada. Estudo realizado pela Unicamp mostra que 17 por cento dos brasileiros já pensaram em se matar. E destes, 4,8 por cento chegaram a elaborar um plano para isso.
Para as pessoas que lidam com o assunto, esses números não surpreendem. Principalmente no Brasil, onde 32 indivíduos morrem por dia devido a suicídios. Mas de acordo com uma cartilha do Centro de Valorização da Vida (CVV), o suicídio pode ser prevenido e, portanto, evitado, em 90 por cento dos casos. E é para evitar que o pior aconteça que existe o CVV, que atua há 55 anos no Brasil. E funciona há 39 no Recife, onde faz cerca de 3 mil atendimentos por mês. O que não é pouco. A sede do CVV, no bairro da Boa Vista, é de simplicidade franciscana. Mas isso não impede que preste um grande serviço. “Temos 40 plantonistas, mas precisamos de no mínimo 70 para atender à demanda”, afirma Eliene Soares (foto). Ela é funcionária pública e voluntária do CVV como, aliás, são todas as pessoas que ali atuam. O atendimento é 24 horas.
Para integrar o CVV, a pessoa passa por capacitação de 120 dias, utilizando Carl Rogers (1902-1987). O psicólogo americano é usado como base teórica pelo CVV, desde a década de 1980. “Ele chegou a ser muito rejeitado na época em que criou a sua teoria, que hoje se mostra muito efetiva no apoio emocional”, afirma Eliene. A atividade segundo ela, requer “mudança de postura diante da vida”. É muito comum aos voluntários, ouvir frases do tipo “a vida não tem mais sentido para mim”. É aí que o plantonista do CVV entra, conversa com a pessoa. “A nossa abordagem é a do ouvido amoroso, tentando compreender as causas desse comportamento, fazendo esforço para afastar sentimentos como o de rejeição”, conta. Afirma que o olhar do voluntário tem que ser humanista. “Se não fizermos esse esforço, a pessoa que precisa de atendimento pode entender que minimizamos o seu problema e isso é tudo que não queremos”, diz. E é a compreensão e o ouvido amigo que fazem a diferença. “A ajuda que oferecemos é o apoio emocional”.
“A gente nem julga, nem critica, tem que despertar confiança em quem procura o CVV”, afirma Eliene, voluntária há oito anos. “O atendimento virou um desafio, mas é muito enriquecedor”, conta Ana, psicóloga, atuando no CVV desde julho. “A gente está se doando, mas também crescendo pessoalmente, e as duas coisas se completam”, diz. Ana conta que para atender o voluntário tem que se despir de “barreiras”, movidas por algum tipo de preconceito ou precaução. “Se você cria barreiras, a pessoa sente, e aí não se abre com você. É importante ouvir, saber o que o interlocutor está sentindo”.
É quando entra em cena o ombro amigo, a palavra de afeto, o amor ao próximo. Até porque conforto emocional e afeto são tudo que precisa quem está do outro lado da linha, no maior desespero. As pessoas que procuram o CVV, na maior parte das vezes, o fazem por solidão. Mas também há angústia, depressão, tristeza. E fatores como esses, muitas vezes, contribuem para tornar muitas vidas em verdadeiros pesadelos. Para falar mais abertamente sobre o tema, ainda tabu, é que foi instituído o Setembro Amarelo. E é para despertar mais amor à vida que o CVV funciona. Se você tem vontade de se matar, não fique só. Procure ajuda. No CVV, o anonimato é sagrado. Mais informações, no site www.cvv.org.br. Ou www.recife@cvv.org.br. No Recife, o CVV atende pelo 141. O atendimento também pode ser presencial, mas a maior parte é por telefone mesmo.
Texto e foto: Letícia Lins / #OxeRecife