No Dia Nacional da Caatinga – 28 de abril – o #OxeRecife faz questão de registrar uma iniciativa da qual nós, homens e mulheres urbanos que somos, nem sempre lembramos. E que talvez nem saibamos de sua importância. Mas que trouxe grandes mudanças para as populações do Sertão que frequentemente disputavam a água de barreiros infectos com animais, como os bodes, bois e até porcos. O problema se agravava, à medida que as estiagens avançavam. Aliás, uma realidade que se observa, ainda hoje, na área rural do Nordeste. Mas não mais entre as famílias que possuem cisternas, que armazenam águas da chuva, para beber, cozinhar e escovar os dentes. A mudança deve-se a um movimento que surgiu na virada do século, quando foi lançada a Declaração do Semi-Árido Brasileiro, durante a 3ª Conferência das Partes da Convenção Contra a Desertificação e a Seca.
A COP 3, como era chamado o encontro patrocinado pela Organização das Nações Unidas (ONU), aconteceu no Recife, em 1999. Durante a reunião, em encontros paralelos, surgiram as primeiras sementes da Articulação do Semiárido Brasileiro, que veio com o objetivo de ensinar o homem da caatinga a conviver com a seca, garantindo, pelo menos a água de beber. Assim, era criado o Programa 1 Milhão de Cisternas, o P1MC. O objetivo era implantar aquela quantidade de reservatórios domésticos até 2005, no Semiárido nordestino. Não foi possível atingir o objetivo no ano planejado. Mas, em 2018, pode-se dizer que o número foi atingido. A ASA Brasil computa a construção de 670 mil 570 cisternas, que se espalham por 1.156 municípios nordestinos, beneficiando 731.172 famílias.

As cisternas se disseminaram e pelo pelo Semiárido, e a estimativa é que hoje haja cerca de 1 milhão delas funcionando no Sertão e Agreste, sendo que 32 por cento foram implantadas em parcerias das ASAs estaduais com os governos do Nordeste. Nada disso, teria sido possível sem a participação das comunidades. Até porque não havia como a ASA fazer tudo sozinha. Foi aí que a população começou a se mexer, dando origem à maior mobilização da sociedade civil na região da caatinga. Hoje a ASA Brasil congrega 3 mil organizações, entre sindicatos, igrejas, cooperativas, organizações não governamentais, Ocips e outros. E faz parcerias com o Governo Federal (no caso da Asa Brasil) e com os governos estaduais (no caso das representações da Asa nos estados).
O fato é que a situação mudou. Os bons resultados da disseminação das cisternas impuseram mudanças na vida do sertanejo. E para melhor. Em tese de doutorado na Fundação Osvaldo Cruz, o médico Carlos Feitosa Luna mostra que 98 por cento dos chefes de família ouvidos relatam “melhoria geral na qualidade de saúde familiar”. E que o risco de contrair diarreias devido à má qualidade da água caiu em 73 por cento, para aqueles que foram beneficiados por cisternas. Há estudos, também, que mostram que sem perder tanto tempo nas longas viagens entre a residência e os barreiros para buscar água, o homem do campo tem mais tempo para se dedicar aos seus roçados. Ou a outros trabalhos, se a seca não permite plantio. Hoje a ASA Brasil calcula que, com o crescimento populacional, seja necessária a implantação de 350 mil novas cisternas no Semiárido nordestino.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Manuela Cavadas/ Divulgação/ ASA