“Geneton é um dos maiores jornalistas do Brasil”. Isso, a gente já sabe. Na verdade, Geneton Moraes Neto (1956 – 2016) era muito mais. Veja o que diz Amim Stepple, que foi amigo e colega de profissão do escritor, repórter e cineasta pernambucano : “Íntegro, ético, incorruptível, workaholic e obcecado”. Mostra, ainda, que em Geneton, “a paixão pelo jornalismo se manteve até o último momento e irá sobreviver a ele”. Com certeza. Até porque nesses tempos em que as notícias aparecem e somem com a rapidez de um relâmpago, Geneton via o jornalismo de outra forma. Um meio de se produzir memória. E ele, sim, produziu jornalismo de memória como ninguém. Para Paulo Cunha e Ana Farache (foto), essa era uma característica marcante na vida de Geneton, “um grande repórter, com visão do historiador”. A dupla assina o livro Geneton – Viver de Ver o Verde Mar, biografia do pernambucano, com lançamento marcado para a tarde do sábado (31/8), no Cinema do Museu, em Casa Forte.
Como jornalista, costumo dizer que a boa reportagem ou a boa fotografia jornalística é aquela que jamais a gente esquece. E Geneton era bom nisso, um mestre. Lembro-me de uma entrevista que ele fez com Caetano Veloso, transmitida pela TV Globo, que me tirou o sono. Tão perfeita, que me perturbou. Jamais a esqueci. Também jamais esquecerei seu penúltimo trabalho para a TV, Solidão, sobre o pequeno município localizado a 411 quilômetros do Recife, e no qual o repórter esteve, produzindo um documentário tão perfeito, mas tão perfeito que até parecia um daqueles que a gente chama de filme de arte. Nunca, mas nunca mesmo, consegui esquecer. Nada mais justo, portanto, do que uma biografia sobre Geneton. E escrita por dois jornalistas que muito com ele conviveram. O lançamento ocorre às 18h, mas antes – às 16h – haverá projeção gratuita de Cordilheiras no Mar: A Fúria do Fogo Bárbaro (2015).
Cordilheiras é o último filme de Geneton, e mostra o pensamento político de Glauber Rocha(1939 – 1981), um dos mais polêmicos cineastas brasileiros. Já o livro tem 246 páginas, dez capítulos, cronologia, filmografia e relação de obras escritas por Geneton. Revela a vida e a trajetória de sucesso do escritor, jornalista e cineasta recifense. Um mosaico composto por mais de 60 fotos, memórias do arquivo pessoal cedido pela viúva (Elizabeth Garson Passi) e pelos filhos (Clara, Joana e Daniel), por documentos garimpados e por quase 70 depoimentos de amigos e colegas de trabalho. Fotos e textos inéditos – como os produzidos por Geneton para o seu diário pessoal entre os anos de 1977 e 1985 – estão entre as boas surpresas da obra. Lembro-me de Geneton, quando ingressou no jornalismo. Tinha então 14 anos, era colaborador do suplemento infantil do Diário de Pernambuco, passando a repórter profissional dois anos depois. Naqueles tempos, já era um menino prodígio. Posteriormente, faria entrevistas que ficaram para a história.
Ele sabia perguntar, como ninguém. E o bom repórter tem que fazer perguntas inteligentes. Quem sabe perguntar, sabe produzir um bom texto. E Geneton era bom nos dois. Até dizia ser “do Partido de Perguntadores do Brasil”. Caetano Veloso chegou a considerar o repórter como “o meu jornalista”, diante da qualidade excepcional do seu trabalho. Geneton fez entrevistas com Gal Costa, Jards Macalé, Carlos Imperial, Nelson Ferreira, Quinteto Violado, entre muitos. Aos 19 anos, já integrava a equipe da sucursal do jornal O Estado de São Paulo no Recife. E de lá partiu para ocupar redações de jornais e televisões nacionais e de fora do país. A Tv Globo foi seu último local de trabalho, onde atuava no Fantástico. Insistente, Geneton teve encontros memoráveis registrados em entrevistas também memoráveis. Um deles foi com ninguém menos que Theodore van Kirk. Para os que não lembram, Theodore integrou a tripulação do avião que jogou a bomba atômica sobre Hiroshima. Quem, por exemplo, teve essa lembrança de ir atrás de uma pessoa para falar de um fato que acontecera em 1945 e que já havia sido totalmente explorado nos livros de história? Para Geneton, por mais que alguém já tivesse falado, sempre tinha uma coisa a mais para revelar. No caso de Theodore, como estaria a alma dele, tantos anos depois daquele genocídio?
Geneton também ouviu Eva Schloss (sobrevivente de Auschwitz), Yoko Ono, Pete Best (primeiro baterista dos Beatles), Desmond Tutu, Eugene Cernan (o homem que bateu o recorde de permanência na Lua), Woody Allen, José Saramago, Jorge Amado, Millôr Fernandes. Ou seja, uma grande galeria. E de peso. Viver de ver o verde mar (verso de um de seus muitos poemas) fala ainda da família, de sua relação com a música, sua produção cinematográfica, do tempo em que morou na Europa ( para estudar cinema e quando trabalhou como camareiro de hotel, e também como motorista de família rica). Uma vez, aqui no Recife, conversamos muito sobre essa experiência que teve na França, quando me revelou, com espanto, os hábitos não muito limpos dos donos do hotel em que atuava como camareiro. E também da esperança da avó rica, em ver o neto progredir intelectualmente (o menino tinha uma deficiência mental). Para Geneton, o trabalho de motorista naquela rica residência francesa, terminou se revelando uma experiência para fazer uma outra coisa que amava: ver filmes, o que fazia em companhia do garoto. Geneton morreu no dia 22 de agosto de 2016, vítima de um aneurisma na aorta. A iniciativa da publicação é da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe).
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Serviço:
Lançamento do livro Geneton, viver de ver o verde mar (Editora Cepe)
Quando: 31 de agosto, sábado
Horário: 16h (exibição do filme Cordilheiras no mar: A fúria do fogo bárbaro) 18h: autógrafosOnde: Onde: Cinema do Museu – Fundação Joaquim Nabuco (Avenida Dezessete de Agosto, 2187, Casa Forte)
Valor do livro: 50,00 (impresso) e R$ 15,00 (e-book)
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação