“Cidade Invisível”: a “criatura” (Letícia Lins) e a “criadora” (Geórgia Alves)

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Ao longo da minha vida, já participei de alguns livros. Como poeta bissexta, por exemplo, em “Antologia Poética de Jornalistas Pernambucanos”. De outras, sou citada em publicações, nacionais e estrangeiras, por conta de reportagens por mim realizadas. Nesse 2024, só não me surpreendi ao  me ver no póstumo “Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores”, porque o saudoso e queridíssimo Mestre Ariano Suassuna (1927-2014) tinha me prevenido que eu estaria na obra então em produção, e que ele classificava de “interminável”, sobre a qual conversávamos de vez em quando. Achei estranho e impossível. Mas não era. Pois estou mesmo, no Livro II, “O Palhaço Tetrafônico”. Mais precisamente na página 864.

Mas… sensação estranha, mesmo, foi quando estava me deliciando com a leitura de “A Cidade Invisível”, de minha amiga Geórgia Alves que, por sinal, estará nessa segunda-feira (4/11), às 18h, na Livraria da Vila, no charmoso bairro da Vila Madalena, em São Paulo, para um encontro de autógrafos. Ao ler o livro, passei a navegar entre a ficção e a realidade. Para o leitor pernambucano, a obra se desenrola em um ambiente para nós bem familiar, que é o percorrido por personagens como Selena, Marina, Tiago, Nina, Ernesto, Bernardo: a cidade anfíbia que é o Recife, as enchentes do Rio Capibaribe, a mangue-down (sim, não é mangue town), o Marco Zero, o Cais José Estelita, o Catamarã, a Rua da Aurora, o porto, os arrecifes, o Sitio da Trindade, os passeios de bicicleta de fim de semana. Alguns locais aparecem com nomes inventados pela autora, como o “Mercado Amarelo Manga”,”Cais Esmeralda”, “Cinema Estação da Luz”.

Licenças poéticas à parte,  até a pandemia não ficou de fora:

“O espelho d´água que devorou a cidade é uma plácida superfície onde agora Selena se olha sem o mesmo medo. Antes disso, as pessoas moravam em conchas-bolhas. Era dada uma crise de proporções incalculáveis.Um vírus vitimando as pessoas. Elas não frequentavam mais parques e outros lugares ensolarados, a exemplo de antes. Não andavam mais em suas bicicletas. Ou marcavam encontro na parte antiga da cidade”.

E eu lendo, lendo…Viajando pelas águas, pelas ruas do Recife, pela cidade submersa.  De repente, começam a falar na “avó de Marina”, que aparece no livro “como uma mulher incrível”. Mas passando as páginas, vou me descobrindo como personagem, pois ali fala-se, também, na vida profissional da avó que, na ficção, decidiu morar no Canadá em “uma bolsa de cooperação entre os dois países”, depois que as sucursais “começaram a fechar as portas no Recife”. E segue: “Ela tinha um carro vermelho e usava luvas de motoqueiro. Sabe aquelas de couro, com os dedos cortados? Ela também usava óculos, lentes super grossas e vivia de bermuda, corria na praia”. Aí… fui pensando, ôxe, essa sou eu. Sou jornalista, tenho uma “ferrari” vermelha (um pálio 2012), só dirijo de luvas, minha roupa preferida é uma bermuda, adoro praia. Mas “mulher incrível” é por conta do livro de Geórgia.

Passam-se algumas linhas, e Marina faz uma tele chamada. “Essa é Selena, vó”, apresenta Marina. “Oi, dona Letícia”, cumprimenta Selena. Olha só… Era eu mesma. Terminei me divertindo muito. O pior é que fui ao lançamento do livro, aqui no Recife, em setembro, no dia do aniversário de Geórgia. Ela insistiu tanto, para que eu não faltasse… “Tenho uma surpresa para você”. Aí assisti lá um filme dirigido por Geórgia, estrelado pela minha amiga, também escritora, Fátima Quintas. Voltei para casa, com o livro autografado debaixo do braço, gostando da “surpresa” de ter visto o filme. Na rede, às noites, intercalava  “A Mãe” (Gorki), “Histórias da História de Paulo Loureiro” (Lucila Cano), e “O Homem de Areia” (E.T.A Hoffmann).

Me dividia entre os três (tenho mania de ler até cinco livros ao mesmo tempo), quando decidi colocar mais um no meio: “A Cidade Invisível”, de Geórgia. Li de um fôlego só, a narrativa tão bem construída da nossa amiga. Só dormi quando parei. E, claro, fiquei orgulhosa e ter servido de inspiração. Mas achei sobretudo muito engraçado, me encontrar nas páginas de um livro em que sou real e ficção ao mesmo tempo. Geórgia  apaixonada por Clarice Lispector, em quem também se inspira, já publicou: “ Reflexo dos Geórgias”, “Filosofia da Sede”, “A Qualquer Hora da Noite enquanto piso em Pedras Ternas”.

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Serviço:
O quê: Tarde de Autógrafos de “A Cidade Invisível”, de Geórgia Alves
Onde: Livraria da Vila
Endereço: Rua Fradique Coutinho, Vila Madalena, São Paulo
Horário: 18h

Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Arquivo pessoal de Geórgia Alves

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4 comments

  1. Delícia de texto! Parabéns pela homenagem, acho que a escritora soube captar muito bem a essência e o humor da ” criatura”,de forma lúdica e espirituosa.

  2. Surpresa boa essa, não foi Letícia? Ser retratada de forma real e ficcional nas páginas de um livro que, ainda por cima, tem o dedo de Ariano. E tudo por merecimento. Parabéns, cara amiga, pela homenagem recebida, pela profissional que és e pela simplicidade que há em ti.

  3. Parabéns, Letícia.

    Mulher incrível sim, Geórgia tem razão.
    Deve ser um misto de surpresa e curiosidade se deparar com você personagem e leitora ao mesmo tempo.
    Uma sacada e tanto da autora.

    Parabéns para ela também.

  4. Letícia, que homenagem! Merecida para uma mulher de tantas histórias.
    Pelo andar da carruagem, vou logo lhe pedir um autógrafo para guardar. Antes que você se torne muito importante e passe a negar. Beijos.

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