Ser muito gordo pode não ser saudável. Aliás, não é saudável, segundo dizem os profissionais da medicina. As taxas se desarrumam, a diabete pode chegar, a pressão subir e o sedentarismo entra em um ciclo vicioso. A pessoa não faz exercício porque é gordo, ou fica mais gordo porque não se movimenta. Mas no Brasil, infelizmente, a gordura é mais vista por grande parte da população como um problema estético. E aí chegam o preconceito, o bullying. Pesquisa realizada pela Skol Diálogos em 2017 observou que a gordofobia é uma forma de preconceito que está presente no dia a dia de 92% dos brasileiros. Inclusive entre crianças e adolescentes.
Pior, as pessoas gordas chegam no cinema ou no teatro e não encontram cadeiras adequadas. Nas escolas, meninos e meninas acima do peso padrão também sentem dificuldades, porque não há carteiras escolares para aqueles que estão com excesso de peso. E os apelidos sempre sobram para os gordinhos: Bolinha, Bolão, Baleia. Mas, pelo menos no Recife, isso vai mudar. É que a cidade é a primeira capital do país a contar com legislação contra a gordofobia. De autoria da vereadora Cida Pedrosa (PC do B), duas leis nesse sentido acabam de ser sancionadas pelo Prefeito João Campos (PSB). São as Leis 18.831/2021 e a 18.832 (2021).
A 18.831 institui o Dia Municipal da Luta contra a Gordofobia, que passará a integrar o Calendário Oficial de Eventos do Município. O Dia escolhido foi o 10 de setembro, data já conhecida, informalmente, como dia do gordo. Instituir a data para o combate a gordofobia cumpre a missão de trazer luz ao debate e ao tipo de discriminação que atinge parte significativa da população. A 18.832, por sua vez, assegura às pessoas gordas carteiras escolares adequadas aos seus biotipos corporais nas instituições de ensino básico e superior do Recife, sejam públicas ou privadas, além de garantir o ensino livre de discriminação ou práticas gordofóbicas.
O debate é oportuno. Segundo dados da última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), publicada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de pessoas obesas em idade adulta no país mais do que dobrou em 17 anos, indo de 12,2%, entre 2002 e 2003, para 26,8%, em 2019. No mesmo período, a proporção da população adulta com excesso de peso passou de 43,3% para 61,7%, representando quase dois terços dos brasileiros.
No Brasil, onde o corpo é cultuado em excesso, a discriminação contra os gordinhos ainda é reforçada pela sociedade por meio de peças publicitárias, piadas preconceituosas e por padrões de beleza rígidos impostos sobre os corpos. Até mesmo nas lojas, é difícil comprar uma roupa para as pessoas acima do peso. O efeito da gordofobia é expressivo e negativo, inclusive sobre crianças e adolescentes. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, nesse grupo os efeitos do estigma social também são preocupantes. Estudos apontam que crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade vítimas de bullying são mais propensos a sofrer com ansiedade, baixa autoestima, estresse, isolamento, compulsão alimentar e depressão se comparado com adolescentes magros.
Entre adultos, o preconceito também prejudica a saúde mental e afeta relacionamentos, oportunidades de trabalho ou o simples ato de usufruir da cidade. Além dos impactos sobre a saúde mental, a gordofobia enquanto um preconceito difundido na sociedade afeta também o planejamento urbano e o acesso da pessoa gorda à cidade. Os padrões utilizados na construção de banheiros, transportes coletivos e até mesmo na mobília dos espaços públicos e privados são reflexo da discriminação e exclusão de pessoas gordas. No Recife, já vi pessoas gordas solicitando cadeiras em cinemas, porque as poltronas convencionais com braços laterais não comportavam seus corpos. Inclusive no Cinema da Fundação, no Derby, que – felizmente – implantou assentos especiais para pessoas com sobrepeso, após a última reforma.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Divulgação / Acervo #OxeRecife