No mesmo dia em que vazou para a imprensa que a Caixa Econômica Cultural decidiu impor censura prévia a projetos culturais realizados em seus espaços, em todo o país, o Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco (PE) ajuizou ação civil pública contra a Caixa Econômica Federal (CEF) para que seja retomada a exibição do espetáculo Abrazo (do grupo teatral Clowns de Shakespeare), que foi censurado pela instituição no mês passado.
Na ação, as procuradoras da República Carolina de Gusmão Furtado e Ana Fabíola Ferreira requerem que a peça seja exibida na Caixa Cultural, no Recife, ou em outro teatro, às custas da CEF. Como vocês lembram, a peça Abrazo foi censurada no Recife, quando se preparava para sua segunda apresentação no palco da Caixa Cultural. O incidente, lamentável, por sinal ocorreu no mês passado. Gente, que democracia é essa? Abrazos é uma belíssima encenação. E embora não possua texto, foi inspirada no livro Abraços, do saudoso escritor uruguaio Eduardo Galeano (autor, também, do clássico As Veias Abertas da América Latina).
A censura terminou virando um tiro pela culatra. A população foi às ruas em protesto, a Prefeitura do Recife cedeu o Teatro Apolo, e artistas do Recife dispuseram suas casas para hospedar o elenco perseguido. Um verdadeiro mutirão contra o obscurantismo e o retrocesso. Em setembro, o MPF expediu recomendação à CEF para a imediata retomada do espetáculo. “De acordo com as apurações, a exibição da peça teatral foi cancelada pela Caixa na noite de estreia, 7 de setembro, antes da segunda sessão do espetáculo. Não houve nenhum comunicado ou esclarecimento prévio formal e por escrito”, diz nota do MPF distribuída no final da tarde da sexta-feira, quando a ação contra a CEF foi ajuizada.
A CEF informou ao MPF que o contrato de patrocínio foi rescindido devido ao conteúdo de bate-papo entre o elenco e a plateia, que fazia parte da programação, realizado após a primeira apresentação de Abrazo. Segundo a Caixa, essa conversa configurou infração à cláusula do contrato que trata da obrigação de “zelar pela boa imagem dos patrocinadores, não fazendo referências públicas de caráter negativo ou pejorativo”. Para o MPF, o cancelamento abrupto das apresentações provocou uma repercussão negativa muito maior do que os comentários do elenco, levando em consideração o pequeno número de participantes no bate-papo.
Para o MPF, o que houve foi “a prática de censura, vedada pela Constituição da República, que garante que a manifestação de pensamento, criação, expressão e informação não sofrerão nenhum tipo de restrição. A ação civil também destaca o direito à liberdade de expressão, garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992”.
As procuradoras da República reforçam que “o comentário em questão não desborda do livre exercício da manifestação de pensamento e crítica, de modo que, ao rescindir o contrato com base nesse relato, a Caixa cerceou o livre debate de ideias em torno dos contratos de patrocínio.” O MPF requer que a retomada do espetáculo Abrazo ocorra minimamente por oito sessões, conforme originalmente contratado. Requer, também, que a CEF pague indenização por danos morais coletivos, não inferior a duas vezes o valor do patrocínio da peça teatral, que deverá ser aplicada em campanhas de conscientização do direito à liberdade de expressão e à liberdade artística. O processo tem número nº 0819146-80.2019.4.05.8300. Abaixo a censura! E Viva a liberdade!
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Foto: Divulgação / Abrazos