Cemitério desafiou as leis do século 19

Ao comentar no post anterior (Parem de derrubar árvores  158), a intenção do meu amigo Fernando Batista, de passear pelo Cemitério de Santo Amaro, no Recife, lembrei de um outro passeio que fizemos, dessa vez ao Cemitério dos Ingleses, em Salvador, muito solicitado por turistas. Não só pela beleza de seus jardins e do toque aristocrático dos jazigos, mas também porque fica no alto de uma colina, de onde se descortina uma bonita paisagem da Baía de Todos os Santos, com as canoas flutuando suavemente, ao sabor das ondas que estavam bem suaves, nesses dias de verão.

O Cemitério virou atração turística, e pode ser visitado gratuitamente. A única obrigação do público é guardar o silêncio e deixar  ali o registro no livro de visitas. Detalhe: a curiosidade dos visitantes não é motivada só pela paisagem. Mas também pela sua história. É que até o século 19,  havia dois tipos de cemitérios em Salvador. Um era o Campo da Pólvora, tido como local para enterrar indigentes e não cristãos. Isso porque os católicos eram sepultados nas igrejas matrizes de diversas freguesias da cidade ou na sede da Irmandade à qual o morto pertencera em vida.

Apesar daquelas limitações, em 1811, o Cônsul Britânico Frederico Lindman solicitou e conseguiu, do Governador da Bahia, autorização para enterrar “súditos de Sua Majestade Britânica” em uma “roça” foreira da Capela de Santo Antônio da Barra, cujos direitos de uso já tinham sido adquiridos, pelo diplomata e comerciantes por ele liderados. A resposta do governador foi imediata, aprovando “plenamente” o estabelecimento do novo cemitério. A decisão era inédita e contrariava os costumes praticados até então. Naqueles tempos, o hoje sofisticado bairro da Barra era um povoado distante da cidade.

O pedido do cônsul e dos comerciantes era fundamentado em Tratado de Comércio  assinado em 19 de fevereiro de 1810, entre as Coroas de Portugal e da Inglaterra. Toda essa história é relatada em um painel, logo à entrada do Cemitério dos Ingleses, na Barra. Vejam como a sua construção foi um desafio para os costumes de então. Pois somente em 1828, uma Lei Imperial proibia a prática de sepultamentos nas igrejas, ordenando que as câmaras municipais estabelecessem mecanismos legais para que a determinação fosse cumprida. Muitas tentativas de produção de leis nesse sentido fracassaram. E somente em 1855, o Campo Santo – de propriedade da Santa Casa de Misericórdia – tornou-se opção para enterrar os mortos de “boa família” em Salvador.

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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Letícia Lins e Fernando Batista (cortesia)

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