Está muito triste a situação cultural no Brasil. Se o Presidente da República reconhecesse o valor da cultura como uma das mais poderosas armas de resgate social com o mesmo empenho que defende o armamento, todos que fazem produção cultural estariam, hoje, mais aliviados. Como se não bastassem imposições ideológicas com cheiro de censura ao cinema – por exemplo – agora a cultura corre o risco de enfrentar outro golpe: a taxação de doze por cento sobre o valor dos livros novos. Serão os livros, artigos de luxo? Será que os arautos do poder não enxergam que essa é, de todas, a arma mais libertadora?
Nas redes sociais já há até campanhas e coleta de assinaturas contra esse golpe contra a cultura brasileira. Então, vamos tirar o chapéu para aqueles que, apesar do momento tão adverso, insistem na edição de novas obras. Em Pernambuco, temos alguns casos que merecem registro. Um é a Editora Cepe que é oficial, mas bastante produtiva. Em 2019, foram lançados 45 títulos. E a previsão, para 2020, eram 80. Com a pandemia, houve algumas mudanças no cronograma, mas mesmo assim a Cepe segue firme, lançando publicações. Sejam físicas, virtuais, ou nos dois formatos. Em plena pandemia, a Cepe lançou entre outros, Um espião silenciado, Lia de Itamaracá: nas rodas da cultura popular, João Cabral de ponta a ponta e Celso Marconi o senhor do tempo. Há, também há iniciativas particulares, que devem ser lembradas.
E uma destas é a movimentada editora pernambucana Castanha Mecânica. Ela surgiu em 2011 editando e-books livres numa plataforma gratuita. Após dois anos de atividades, passou a incluir livros digitais também em copyright. E em 2016 foi a vez de inserir os analógicos no acervo. Para o livro físico, cria projetos gráficos que interferem na obra como elemento narrativo e provoquem experiências sensoriais e sinestésicas nos leitores. “Acreditamos muito no livro como um vetor de transmissão de afeto e como uma arma de luta, por isso, na artesania das nossas edições, buscamos potencializar e reutilizar ao máximo os recursos empreendidos”, afirma Fred Caju, Editor da Castanha Mecânica. O aceno para o livro de papel porém não leva a editora a recuar “com a resistência em manter o e-book a um preço acessível”.
São dois formatos que continuam a coexistir no catálogo da editora. Bom! Mesmo com a pandemia, está realizando lançamento de novos livros. Está em pré-venda, no endereço eletrônico https://pag.ae/7WhXg1o2K, o livro Apaguei a playlist/ comecei a dançar, que reúne poesias do autor e jornalista pernambucano Fernando de Albuquerque (foto). Com 96 páginas, ilustrações do baiano Márcio Junqueira, edição e design de Fred Caju, o título reúne treze poemas e até recebeu menção honrosa no Edital de Chamamento Público, divulgado em dezembro de 2019 pela própria Castanha Mecânica.
“Eu pensei em publicar apenas um livro com o edital. No entanto, me deparei com três obras instigantes. A de Fernando de Albuquerque me tocou por sua sensibilidade e por ser contextualizada num universo pop contemporâneo com um tom que não dissolve a identidade do autor entre as referências que o livro traz. Estava diante de um livro que precisava publicar”, diz Fred Caju. O livro aborda relações que envolvem perda, amizade, paixão e carinho. Tudo explorado nos poemas com forte viés narrativo, dicção coloquial, recriação da vida cotidiana e opção pelo verso livre. “Esse livro é, antes de tudo, um convite para nos despirmos daquilo que se acumulou em nossa consciência e nas nossas rugas”, diz Albuquerque. “A experiência é o nosso trunfo, a tábua de salvação contra os erros e contra a inoperância de certas condutas”, acrescenta. E recomenda: ” Mas ela não pode, jamais, ser o peso que nos impede de continuar e de nos reinventarmos. Não pode ser responsável pela continuidade e insistência no erro. Assim, o eu lírico criado viaja de forma profunda pelo seu catálogo de bons e maus encontros para logo depois se entregar à catarse”.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Castanha Mecânica / Divulgação