Secular Magitot em ruínas na Várzea

Sinceramente,  é uma pena o descaso com que os casarões e a memória do Recife são tratados. São muitos os imóveis de valor histórico ou arquitetônico que se encontram em ruínas: o Chalé do Prata (em Dois Irmãos), os sobrados onde nasceram o abolicionista Joaquim Nabuco e a escritora Clarice Lispector (na Boa Vista), o do Sítio Donino (Poço da Panela), só para citar alguns já referenciados aqui no nosso #OxeRecife.

Isso sem falar nos imóveis que já sumiram do mapa como a antiga Casa de Saúde São José (entre Casa Forte e Poço da Panela, foto em PB), a antiga sede do Clube de Engenharia (na Madalena)  e o casarão que era sede da Padaria Capela (nas Graças), apontado como o primeiro sobrado da Avenida Rosa e Silva. No último, sábado estive no bairro da Várzea, e fiquei impressionada com o destino de outra vítima: o antigo Hospital Magitot.

Pelo visto, será o mesmo dos três últimos citados acima. Construído em 1905, em estilo eclético de influência inglesa, o imóvel abrigou o Magitot  a partir de 1935. Para os que não sabem: foi o primeiro hospital odontológico da América Latina. Ou seja, com especialização em “cirurgia buco-maxilo-facial e doenças da boca e anexos”, conforme destaca a placa em uma de suas paredes. Aliás, praticamente a única coisa que sobrou intacta da edificação. O resto é parede caindo, telhado no chão, portas, janelas e ferragens furtadas. O Magitot fica na Praça Pinto Damazo, um dos jardins históricos do Recife, e que tem a assinatura de Roberto Burle Marx. Só isso, já era motivo suficiente para se manter todo o entorno da chamada Praça da Várzea,  preservando-se a paisagem da época em que o paisagista implantou ali seu  projeto paisagístico nos anos 1930.

Se tivéssemos gestores sensíveis à nossa arquitetura e à nossa história, o terreno e o casarão onde ele fica já teriam virado um parque ou um centro cultural, ou uma escola, como fez o então Governador Eduardo Campos (PSB), com o antigo parque industrial da Macaxeira, cujo terreno vem a ser – hoje – o maior parque urbano da cidade. O lindo e antigo prédio que abrigou aquela que foi uma das mais importantes indústrias têxteis de Pernambuco esteve perto de ser demolido e virar um shopping center. Imaginem se se faz uma besteira, como na cidade de Camaragibe cujo belíssimo parque fabril virou ruína, enquanto ao seu lado foi construído um shopping, em estilo moderno, sem nada a ver com a tradição do lugar. No caso do antigo Cotonifício da Macaxeira,  prevaleceu o bom senso e a sensibilidade cultural do então governador, coisa que começa a rarear entre certos gestores de hoje. O Magitot é um imóvel de preservação especial (IEP).

Mas de que isso adianta para o poder público? Ninguém mexe, ninguém usa e deixa cair. Há dois anos, seu destino esteve na ordem do dia, com notícias segundo a qual a Prefeitura teria projeto para ocupar o imóvel, inclusive com consulta à população. Pelo menos foi o que prometia, à época, a Secretaria de Mobilização e Controle Urbano (Semoc). Pela suas dimensões, o Magitot poderia ser um mercado, abrigando os pequenos comerciantes de suas calçadas (que negociam em locais que mais lembram barracos), abrindo também espaço para atividades culturais, sociais, e até para atividades físicas.  Quem sabe até abrigar um Compaz? Mas nada foi feito para valorizar espaço tão bonito, no coração da Várzea.

Em vez disso, construiu-se uma academia de ginástica no meio da praça, que nada tem a ver com o projeto original de Burle Marx e que obstrui a visão de um outro imóvel antigo, esse chalezinho lindo, que só não caiu como o Magitot porque abriga uma igreja presbiteriana que zela pelo imóvel. E os barracos continuam a poluir aquela que é uma das mais significativas áreas do Recife em um dos  poucos bairros com paisagens ainda não verticalizadas pela invasão de espigões que se vê no resto da cidade.

O terreno do Magitot dá para três ruas e  é  usado à noite para consumo de drogas, segundo os moradores. E o que se via,no sábado,  era lixo acumulado e animais dali fazendo pasto.

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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife, Ubirajara Lopes Carvalho/ Amantes do Recife e
Internet (Casa de Saúde São José)

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