Ao todo, são cinco mil pessoas que moram em Caranguejo Tabaiares, comunidade encravada entre os bairros de Afogados e Ilha do Retiro, no Recife. Elas residem em habitações precárias que variam entre a alvenaria e a madeira e o zinco das palafitas. Faltam serviços como esgoto e há casas que nem água encanada possuem. Com a pandemia e o desemprego, a situação das famílias se agravou, e elas contam com ajuda que chega, às vezes, em forma de cestas básicas. Mas a população precisa se proteger. E nem sempre há dinheiro para comprar máscaras.
Por esse motivo, uma das principais lideranças da comunidade, Cleonice da Silva, mas conhecida como Nice, mobilizou algumas amigas para a confecção de máscaras de pano para a população local. Ela e mais três pessoas chegaram a produzir 5 mil. Ou seja, a proporção de uma peça para cada morador. Todas foram doadas à comunidade. Mas máscaras, depois de tantas lavagens, se acabam. E a população precisa de mais. Porém acabou-se todo o tecido e o grupo precisa de novas doações. Nice pede pano (peças, retalhos) a quem puder doar, para confecção de novas máscaras, que serão entregues à comunidade. Podem ser lisas, estampadas, de xadrez. Ela só solicita que sejam cem por cento algodão.
Conheci Nice há mais de 20 anos, quando fazia uma reportagem para O Globo, sobre o déficit habitacional do Recife. Com ela, visitei palafitas tão frágeis, cujas paredes balançavam sob o movimento de nossas pisadas. Percebi isso pelo barulho que as panelas penduradas (e vazias) nas paredes faziam, a cada passo que eu dava nas precárias casas em que estivemos. Na época, o sonho de Nice era construir uma sede para o Clube de Idosos Unidos Venceremos, que ela fundou para dar assistência e distração aos velhinhos do lugar que, muitas vezes – longe de filhos e netos – amargam a solidão em casa. Cheguei a participar de algumas das festas realizadas em datas específicas, inclusive com doações como kits de limpeza.
Um dia, um rico cidadão, residente em São Paulo, leu a reportagem. E resolveu ajudar com contribuições mensais que só cessaram quando ele morreu. A alma caridosa só pediu uma coisa a Nice: que ficasse no anonimato, promessa cumprida até mesmo após a “passagem” da alma caridosa. Ou seja, uma pessoa bem diferente daquelas, mais vaidosas, que bastam doar só cesta básica para postar no Instagram. Até hoje nem eu sei quem foi esse benfeitor. É um segredo guardado a sete chaves. Mas, enfim, Caranguejo Tabaiares tem outras iniciativas de destaque. E uma delas é a biblioteca comunitária, que possui cerca de 7 mil volumes, e funciona como ponto de encontro principalmente para adolescentes e crianças do bairro.
A biblioteca vive às custas de doações e ajuda do voluntariado. Um dos seus líderes é Jackson Filipe da Silva, autor da foto e do vídeo dessa postagem. Nem mesmo na pandemia, a biblioteca parou.“As atividades permanecem todas de forma virtual, com mediação de leitura, contação de histórias e estamos até organizando um The Voice Kid, que acontece a partir de 24 de maio”, diz ele. Um cenário está sendo montado na Biblioteca para os concorrentes do concurso de canto e os músicos que os acompanharão. Mas a torcida verá tudo em casa. Como mandam as regras do distanciamento para evitar contaminação pela Covid-19. Na comunidade, também funciona a ong Adolescer, que assiste crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Caranguejo Tabaiares é um mundo a se conhecer, a se explorar e a se ajudar. Vamos lá?
Veja o vídeo sobre a confecção de máscaras na comunidade, e o pedido da líder comunitária Nice:
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Irmãs do bem
Serviço
Contato para doação de tecidos pode ser feito com a própria Nice, telefone (81) 987521482
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto e vídeo: Jackson Filipe da Silva / Caranguejo Tabaiares