Era um riacho, que virou um canal, que transformou-se em esgoto a céu aberto, cuja situação piorou com o acúmulo de lixo. Assim é a história do canal do Arruda, como é, também a história de todos os outros 99 que cortam o Recife. No passado, tinham água limpa, eram usados para lazer, lavagem de roupa de ganho e até para pescaria. Pelo menos, é o que relatam antigos moradores residentes em bairros como Jardim São Paulo (Canal Guarulhos), Casa Forte (Canal Parnamirim) e Boa Viagem (Canal do Jordão) . O do Arruda – que corta a Zona Norte – é o maior exemplo da degradação desses cursos d´agua da cidade, cuja população desconhece o seu passado de águas correntes e cristalinas. Bom lembrar, tudo que se convencionou chamar de canal, era um rio ou um riacho no passado. Ou seja, a que ponto chegamos quando o assunto é degradação do meio ambiente.
O Jordão, por exemplo, nasce em Jaboatão, corta Boa Viagem, Pina e Imbiribeira. O “rio” tem onze quilômetros de extensão e até um afluente, o Setúbal. Mas todo mundo só conhece como canal. O “rio” Setúbal, hoje é um esgoto ao ar livre. Em Jardim São Paulo, moradores mais antigos relatam que faziam piquenique às margens do antigo Rio Guarulhos, hoje transformado em canal e lixão. O Parnamirim, lembro dele dos tempos de menina, quando ia caminhando para o Colégio Sagrada Família. As águas eram cristalinas, e a molecada até catava peixinhos para seus aquários. Verdureiros usavam o então riacho para lavar as hortaliças que vendiam de casa em casa, nos bairros próximos. Sou testemunha. Hoje, suas águas são tão espessas de esgoto doméstico, que nem parece que aquilo foi um riacho um dia. Virou “canal”. Ou melhor, esgoto. Ou seja, a sujeira dos nossos “canais” não é feita só de detritos, mas também de dejetos domésticos, diante da falta de saneamento do Recife. O serviço cobre pouco mais de 30 por cento dos domicílios da capital. E isso em pleno século 21…

Na manhã de hoje o Prefeito João Campos (PSB), esteve no Canal do Arruda, um dos mais problemáticos da cidade, e que corta boa parte da Zona Norte. Ele vive entulhado de tanto lixo que já transformou-se até em notícia internacional. O canal do Arruda tem extensão de 3.844 metros. Mas recebe tanta sujeira, que só no ano passado as ações de limpeza removeram dele mais 6.500 toneladas de entulhos, a um custo superior a R$ 400 mil. O que hoje é um esgoto a céu aberto, no passado era o Rio Água Fria. Ou seja, com o passar dos anos, nossos cursos d´agua ficaram totalmente degradados. Resultado: queda na qualidade de vida de quem mora nas proximidades, escassez de água potável, despesa para o poder público. Hoje o Prefeito João Campos (PSB) esteve no Arruda, onde foi supervisionar o início da limpeza dos 99 canais do Recife, o que exigirá investimentos de R$ 7 milhões, em 2021.
“A gente está na segunda semana de janeiro, mas faz todo o processo de limpeza já agora, para garantir que quando chegar o inverno, os canais e galerias já estejam limpos para poder garantir que, mesmo com as chuvas, a gente consiga o não alagamento das partes mais críticas da cidade”, detalhou o socialista. Os serviços de limpeza são executados pela Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb). “As intervenções englobam a retirada de resíduos sólidos do leito e a capinação e limpeza das margens dos canais, evitando assim o acúmulo de dejetos que podem prejudicar o correto funcionamento do sistema de drenagem e causar transtornos diversos à sociedade como transbordamentos e proliferação de doenças”, informa a Prefeitura.
Neste ano, a ação tem início simultâneo em 10 canais de diversos bairros. Serão eles: Canal de Santa Terezinha; Canal do Derby (Agamenon Magalhães); Canal do Serpro; Canal do Prado; Canal do Rio Jiquiá; Canal São Pedro; Canal da Mangueira; Canal do Jordão; Canal do Ibura; e o Canal do Arruda, que integra a bacia do Vasco da Gama e corta diversos bairros da Zona Norte. No Arruda, o prefeito lembrou que o ex-rio Água Fria,” é um dos principais canais da cidade, que recebe a contribuição de 14 outros canais”. O Arruda, como todos os outros “canais” demandarão o mesmo custo todos os anos, enquanto o Recife não tiver uma melhor oferta do serviço de saneamento básico e enquanto sua população não for devidamente esclarecida quanto ao correto descarte do lixo.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Letícia Lins (#OxeRecife) e Rodolfo Loepert / Divulgação / PCR