Ao longo da minha vida, já presenciei algumas epidemias. Também ouvi falar de outras, muito graves. Lembro que, na minha infância, meu avô falava de uma tal de “gripe espanhola”, que teria matado cem milhões de pessoas no mundo, incluindo o Brasil. Foi no início do século passado, por volta de 1918. Ele até citava os nomes de amigos que morreram devido à doença. Recordo de uma minha festa de aniversário, que não foi quase ninguém, porque muita gente estava com uma outra gripe, também devastadora: a “asiática”. O ano era 1957, e lembro até do vestido que usei naquele dia triste.
Nunca esqueci o olhar melancólico do meu pai, solidário com minha tristeza. Até que um amigo dele, chamado Nilson, que tinha um montão de filhos, chegou com a prole toda e fez a festa. “Fui eternamente grato a ele por ter animado seu aniversário”, disse-me, mais de uma década depois. Também lembro de surtos locais de sarampo, catapora, cachumba, coqueluche e até pediculose (piolho) nas escolas. Nos anos 1970, houve uma epidemia de meningite meningocócica que matou muita gente no Brasil. Perdi até colegas de classe do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco. As filas eram em caracol, nos postos de saúde e até deuonfusão, porque as pessoas disputavam a tapa o direito de se vacinar. Depois, enfrentamos uma epidemia de cólera, uma doença que lembrava os tempos medievais. E que, além do Brasil, percorreu outros países da América Latina. Aconteceu nos anos 1990. Só no Nordeste, as estatísticas falam em cerca de 150 mil casos da doença.
Em 2009, tivemos a gripe suína. Recentemente, foi a vez do vírus H1N1, que fez vítimas inclusive no Brasil. Em 2020, temos o Corona Vírus (Covid-19) que corre com a rapidez de um buscapé pelo mundo. No Recife, os dois primeiros casos acenderam o alerta. A Prefeitura desencadeou Plano de Contingência, através do qual foram contratados 43 médicos, para atuar no sistema de atenção básica de saúde, já que em 81 por cento dos casos do Covid-19, os sintomas são leves. Os gestores das 315 escolas municipais passarão por capacitação, e uma campanha de esclarecimento vai ser disseminada, via rádio, TV, folders.
Instituições culturais, como Fundação Joaquim Nabuco e Instituto Ricardo Brennand começam a limitar a programação e o acesso ao público. E alguns eventos vêm sendo cancelados. Na manhã de hoje, por exemplo, o evento Sextou, que aconteceria no Cais de Santa Rita, foi suspenso. Também não teremos mais o espetáculo Boi Voador, que seria encenado no próximo domingo, no Marco Zero, dentro das comemorações do aniversário do Recife. É uma pena, mas em tempos de pandemia, todo cuidado é pouco. Foi adiado o evento inclusivo Fazendo Acontecer, que ocorreria no dia 21 de março, no Parque de Jaqueira.
O Fazendo Acontecer é um piquenique gigante, que anualmente assinala a passagem do Dia Internacional da Síndrome de Down. E um encontrão internacional, programado para o período de 17 a 20 de março de 2020, também acaba de ser cancelado. A XIII Cúpula Hemisférica de Prefeitos e Governos Locais não acontecerá mais. A reunião, que devia ocorrer no Centro de Convenções está adiada sem data para ocorrer. O escritor Jacques Ribemboim, que lançaria no sábado o livro Ensaios Econômicos, na Livraria Jaqueira do Paço Alfândega, informa que está cancelada a sessão de autógrafos, “devido às incertezas do momento”.
Também foi cancelada a edição do Grupo Caminhadas Culturais, que faria no sábado um percurso pelos antigos jornais do Recife e que acabaria no Arquivo Público de Pernambuco, na Rua do Imperador. O Conservatório Pernambucano de Música informa que está cancelada a primeira edição do Ano do Projeto Música no Palácio. É o jeito. Não esqueçam: evitem beijinhos, abraços, grandes aglomerações. Também evite colocar mãos na boca, ouvidos, olhos, nariz. E higienizar as mãos, muito bem higienizadas, é fundamental. Na minha casa nem uso mais o sabonete. É o sabão amarelo, que é muito mais eficaz. E álcool gel, na falta do sabão, quando estiver no meio da rua.
Na noite dessa sexta-feira o Governador Paulo Câmara (PSB) baixou decreto proibindo a atracação de navios que fazem cruzeiros no Porto do Recife, para tentar barrar a disseminação do Covid-19 no Estado. Com isso, pelo menos oito navios que eram esperados entre março e abril, não poderão mais atracar na nossa cidade, o que evitará a circulação de 11.033 turistas.
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: PCR / Divulgação