Branca Dias deve “retornar” a Portugal

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A lendária Branca Dias, quem diria, estará de “volta” a Portugal, em 2020. Pelo menos, esse é o esforço que o Grupo de Teatro Popular de Camaragibe vem empreendendo, para mostrar aos lusos a peça Senhora de Engenho – Entre a Cruz e a Torá, que começou a ser encenada há sete anos no Brasil e que, mesmo assim, lota a plateia a cada apresentação. O objetivo é levá-la a Viana da Foz do Lima, onde – em 1515 – nasceu uma das mais emblemáticas personagens femininas de nossa história. E que, até hoje, mobiliza não só o nosso imaginário mas a própria academia, já que sua vida tem motivado dissertações e teses nas universidades.

Já assisti duas vezes a peça. A primeira, no Teatro Marco Camarotti, no Sesc Santo Amaro. A segunda, no mês de setembro, no famoso Casarão de Maria Amazonas, em Camaragibe, localizado em terras que, no século 16, formavam a propriedade de Diogo Fernandes, marido de Branca, que viajara antes da família ao Brasil. Judia – e presa pela Inquisição em Portugal, depois de denunciada pela mãe e pela irmã (que provavelmente não queriam que ela viesse para o Brasil – Branca convence o Santo Ofício de que precisava ser libertada para cuidar de sua numerosa prole, inclusive da filha com deficiência. É liberada, e viaja com os filhos.Mas ao chegar a Pernambuco, encontra Diogo com outra família. Consegue se refazer do trauma da traição conjugal e pede ao marido para que arranje casa em Olinda, para acomodar a amante e a filha. Mas não hesita em chamá-las de volta à Casa Grande, quando necessita de mão de obra para ajudar a levantar o engenho em crise. Branca se destacava, também, por preservar sua fé judia ao mesmo tempo em que enganava a Igreja Católica com uma cruz, na frente da residência.

Tem mais: ao ver que o engenho estava em crise, pede conselho ao amigo e poeta  Bento Teixeira (autor da Prosopopeia), e funda uma escola particular, para capitalizar a propriedade, cuja situação se agravou depois de ter sido incendiada pelos índios. Ou seja, uma bela história que transformou-se em lenda e que alimenta imaginação da população não só de Camaragibe como de todo o estado. Assistir Senhora de Engenho em um teatro comum é uma coisa. Mas assistir em terras onde ela viveu de fato, é outra. O ambiente fica real, mágico, misterioso. Chega a ser fascinante. Até porque o local é lindo, arborizado, fica no alto de uma pequena colina e tem um lindo casarão colonial como cereja do bolo. “Realmente, aqui tem outro clima”, diz Emanuel David D´Lucard, o diretor. “As pessoas chegam, passam por um portal verde, por uma pequena capela cenográfica, por velas acesas e terminam por se transportar para o século 16”, diz. Premiada, a peça já percorreu outros estados, incluindo o Rio Grande do Norte e o Rio de Janeiro. Viajou pelo interior de Pernambuco e já chegou até o Chile. O voo mais alto, agora, é levar a história de Branca Dias a Portugal. A equipe não é grande: 23 pessoas, sendo doze em cena.

A convite do ator Pedro Dias (Bento Teixeira), estive em Camaragibe para assistir a peça com os amigos  Alexandre Cesário (Xande Xis), Vânia Patriota e Conceição Campos que, como eu, ficaram também encantados com a magia do local. E também adoraram a peça, que reconstitui com rigor histórico a vida de Branca Dias. E aí aconteceu um fato curioso.  Soube que na plateia havia um descendente da lendária senhora de engenho. Ele tomara conhecimento da encenação em Camaragibe pelo #OxeRecife. E foi lá conferir. Era Tárik Athayde Prata, professor de Filosofia da Ufpe. Ele contou que ao saber que Portugal estava naturalizando sefardistas ( descendentes de judeus oriundos de Espanha e Portugal), encarregou um especialista de fazer a árvore genealógica da família, para entrar com requerimento de cidadania portuguesa. E aí, tomou um susto, quando descobriu, entre avós, bisavós, tetravós, pentavós, hexavós, duedecavós, unodecavós, decavós, eneavós – entre outros – que lá no fim da fila, tinha  a “décima quinta avó”. Era, somente, Branca Dias,que nasceu em 1515 em Portugal, tendo morrido no Brasil em 1588, 23 anos após Diogo. “Fiquei surpreso, pois nunca tinha me passado pela cabeça fazer parte da décima sexta geração de mulher tão importante para nossa história”, disse Tárik ao #OxeRecife, quando me mostrou uma cópia da árvore genealógica de sua família. E Branca Dias estava lá. O mundo é mesmo muito pequeno, não é mesmo? Imaginem, encontrar um descendente de personagem tão histórica, quase cinco séculos depois de Branca ter passado por aqui…

Veja galeria de fotos sobre Senhora de Engenho – Entre a Cruz e a Torá:

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Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Vânia Patriota e Alexandre Cesário / Cortesia

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2 comments

    1. Que bom, Cláudio, já é o segundo descendente que encontro. A peça sempre recebe convites para ser encenada em outros lugares. Mas está tudo parado devido à pandemia. Vou enviar sua demanda para a produção.

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