Por favor, não confundam alhos com bugalhos, no que diz respeito aos bonecos gigantes que animam o nosso maravilhoso carnaval. Como circulei pouco este ano – ainda em recuperação de problema no pé, provocado por uma calçada assassina – assisti muita coisa pela televisão. E não há nada mais irritante do que fazem os grandes veículos de comunicação, no que diz respeito às alegorias que conferem encanto à nossa festa maior. Para eles, todos são “bonecos gigantes de Olinda”. Mas não é exatamente assim. Há os Bonecos Gigantes de Olinda. E há a Embaixada de Bonecos Gigantes “de Olinda”, que fica no Recife.
O primeiro tem conotação popular. E já somam mais de mil personagens criados pelo artesão Sílvio Botelho que, há 30 anos, idealizou a Apoteose de Bonecos Gigantes, o lindo cortejo que percorre as ruas de Olinda, na Terça-Feira de carnaval. Os bonecos de Olinda são hoje a cara da cidade, e têm conotação mágica, remetendo a “pessoas” como a Mulher do Dia, o Homem da Meia Noite, o Menino da Tarde, Zeu das Olindas. Ou a criaturas reais, vivas ou mortas, da nossa cultura, como Ariano Suassuna, Capiba, Nelson Ferreira, Maestro Forró. Os verdadeiros Bonecos de Olinda, portanto, são genuínos, surgiram a partir da expressão popular e se identificam com a cultura da cidade e do estado.

Os outros “Bonecos de Olinda” que desfilaram na segunda-feira, e foram definidos como tal por veículos como a Tv Globo e a Globo News, não passam de genéricos. Eles foram criados com finalidade comercial, constituem hoje uma Embaixada de Bonecos, que fica na Rua do Bom Jesus, no Recife, e não em Olinda, onde “nasceram” e se criaram os gigantes verdadeiros de Olinda. Os recifenses são confeccionados de materiais diferentes dos olindenses, e estão mais ligados em outro tipo de apelação. Esse ano, por exemplo, teve boneco do Presidente Donald Trump e até da Estátua da Liberdade, figuras que nada têm a ver com o nosso folclore ou com nossas identidade. Se os autênticos Bonecos Gigantes de Olinda foram criados por Sílvio Botelho, os personagens dos genéricos são sugeridos por Leandro Castro, dono da Embaixada.
E entre eles, além do famigerado presidente americano, encontram-se personagens como Barack Obama, Chucky e Freddy Krueger, esses dois últimos personagens de filmes americanos de terror. Em 2009, Leandro requereu a patente da marca Bonecos Gigantes de Olinda, o que fez Botelho ficar indignado. “Lutamos durante décadas para criar um conceito, uma marca, dando vida a personagens de nossa cultura, e chega alguém para se apoderar e patentear uma marca que é do povo”, disse à época. “A patente é inócua, os bonecos gigantes são do domínio público”, conformou-se. No estandarte da Embaixada, está lá “Embaixada dos Bonecos Gigantes de Olinda”, embora esta fique no Recife. Não cheguei a falar com Sílvio Botelho esse ano. Mas não deve ser agradável para ele, ver o que está acontecendo. Para o turismólogo Fernando Batista, homenagear Trump com boneco gigante é uma iniciativa “sem noção”. E explica: “Nada tem a ver com a nossa cultura, com a cultura de Pernambuco. E ainda por cima é um xenófobo”.
Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Prefeitura de Olinda e reprodução da TV Globo