A ajuda informal para os informais

Fundador do Grupo Amantes do Recife – com o qual realizou trabalhos de limpeza em cinco praças do Recife – o advogado Ubirajara Lopes Carvalho alimenta um sonho há uma década: o de criar um Banco dos Pobres, destinado a ajudar microempreendedores, com dificuldade de acesso a financiamentos mais formais. A inspiração vem da força transformadora de exemplos internacionais  (como o Grammen Bank, fundado por Muhammad Yunus,  na Índia) ou experiências locais (como o  Acreditar, de Glória de Goitá, Pernambuco).

Em plena pandemia, ele começou a mobilizar os amigos e grupos nas redes sociais, solicitando doações de qualquer valor, de olho no primeiro alvo: ajudar feirantes da Rua Azevedo Coutinho, que faz esquina com a Praça Pinto Damaso, mais conhecida como Praça da Várzea. Naquela via ficam barracas bem precárias. Mas a de pior condição é de Severino José da Costa, mais  conhecido como Seu Biu. Aos 83, o aposentado trabalha de domingo a domingo para complementar a renda. Vende fava, feijão verde já debulhado e algumas frutas. Mas a barraca tem coberta improvisada e Seu Biu não dispõe nem de balança para pesar suas mercadorias.

Ubirajara e Seu Biu: feirante diz que vai “aquecer” o negócio com os R$ 500 que recebeu de ajuda do “Banco” .

Ele foi o primeiro beneficiado. Recebeu hoje R$ 500, com os quais pretende comprar mercadorias melhores, juntar uns trocados e ajeitar sua barraca. Seu Biu estava contente com a ajuda. “Vou usar o dinheiro para aquecer aqui”. Por ter sido o primeiro a receber o benefício, Seu Biu não pagará nem um tostão de juro pelo empréstimo.  Devolverá a quantia em cinco parcelas.  A entrega do dinheiro foi feita na manhã desse sábado (29/8) pelo próprio Ubirajara.  “Ninguém cobrará juro nenhum, Seu Biu virou o marco, o número um e foi um gesto apenas simbólico”, diz o advogado. O “banco” não existe formalmente nem está capitalizado e conta apenas com doações até o momento de grupos de amigos, interessados em ajudar a quem precisa.  Mesmo assim, já tinha feirante hoje pleiteando acesso, mesmo que fosse para pagar algum juro. Mas só queriam a partir de R$ 1 mil.

“Importante é começar. A gente sabe o que pode e o que não pode. Sou otimista e tenho que pensar, eu posso. Posso até fracassar, mas se não tentar, então fracassei antes mesmo de iniciar”, diz ele. Em 2014, revoltado com as praças em abandono –  situação que aliás, persiste até hoje – ele fez mobilização para limpar algumas praças do Recife, que estavam sujas e esquecidas. Houve mutirão para as praças Maciel Pinheiro, Independência, Dezessete, Nelson Ferreira e a Souto Filho, mais conhecida como dos Cachorros. “Limpávamos, pintávamos bancos, colocávamos plantas mas, muitas vezes, a Prefeitura chegava e tudo desfazia”, reclama. “Depois, os colaboradores foram desistindo, porque a gente limpava, cuidava, mas logo depois estava tudo do mesmo jeito, porque não havia rega nem manutenção por parte do poder público”, lembra. “As pessoas foram desistindo, diziam que limpar praça no Recife era a mesma coisa que enxugar gelo”, desabafa, diante da inércia dos dos órgãos competentes quanto à manutenção de praças e jardins do Recife.

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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife

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