A indústria da moda mudou a forma como consumimos roupas e funciona como um espelho de identidade e criatividade. Ainda assim, há um custo ambiental e social que muitas vezes passa despercebido. Esse setor, por exemplo, é responsável por emitir cerca de 8% das emissões globais de gases do efeito estufa.
Além disso, anualmente, 93 bilhões de metros cúbicos de água são usados na produção têxtil, segundo a Fundação Ellen MacArthur — volume capaz de abastecer milhões de pessoas. Ainda, resíduos químicos da indústria têxtil contaminam 20% das águas residuais globais. Esse impacto, somado a tendências passageiras e preços baixos, alimenta um ciclo acelerado de descarte, deixando marcas profundas no planeta, uma vez que apenas 1% das roupas descartadas são recicladas.
Desde a popularização do fast fashion, no começo dos anos 2000, a produção de roupas mais do que dobrou, enquanto a vida útil das peças despencou. A cada segundo, de acordo com a ONU Meio Ambiente, o equivalente a um caminhão de roupas segue para aterros sanitários ou incineradores. Os impactos não são só ecológicos: o descarte em massa aprofunda desigualdades, perpetua a exploração de mão de obra em diversos países e contribui para a devastação de ecossistemas inteiros.
Mas existem sinais de mudança. Marcas brasileiras já reaproveitam tecidos descartados, adotam processos de tingimento que gastam menos água e apostam na economia circular. No âmbito global, empresas como a norte-americana Patagonia oferecem programas de reparo e recompra, reduzindo o descarte. A economia circular envolve planejar o ciclo de vida do produto, da escolha de materiais à destinação final, para reintroduzir peças e componentes na cadeia produtiva, evitando que virem lixo.
A mudança exige mais do que tecnologias de baixo impacto: é preciso repensar o consumo. O fast fashion acostumou as pessoas a enxergar a roupa como descartável, quando ela deveria ser durável. Cada peça projetada para “morrer” após poucas lavagens reforça a pressão sobre os recursos naturais. Ao mesmo tempo, pesquisas da NielsenIQ mostram que 73% dos consumidores globais preferem marcas sustentáveis, desde que entendam claramente o que elas fazem para merecer esse rótulo.
No Brasil, iniciativas regionais ganham força, trabalhando com sobras de tecido e fortalecendo produções artesanais. Ainda falta escala para transformar essas ações em padrão. Políticas públicas, incentivos fiscais e certificações confiáveis — como a GOTS (Global Organic Textile Standard), GRS (Global Recycled Standard), OEKO-TEX Standard 100, Bluesign® e Fairtrade — podem mudar esse panorama, gerando impacto positivo em todo o setor.
Não dá para discutir sustentabilidade sem encarar o fator humano. Produzir muito, vendendo a preços irrisórios, tende a explorar trabalhadores em condições precárias. Hoje, a estimativa é de que cerca de 60 milhões de pessoas estejam envolvidas na indústria têxtil mundial, muitas em jornadas exaustivas e sem garantias mínimas. Ao escolher onde e como consumir, também definimos qual modelo de produção apoiamos.
Resolver o problema depende tanto da indústria quanto do público final. Cada escolha de compra influencia o mercado. Antes de levar uma peça para casa, vale investigar quem a produziu, quanto tempo vai durar e quão pesada é sua pegada ambiental. Tecnologias de tingimento que poupam água, uso de matérias-primas certificadas, processos automatizados que minimizam sobras de tecido e soluções que aumentam a durabilidade mostram que é possível inovar com responsabilidade.
Peças de qualidade superior, feitas com materiais duráveis, reduzem a necessidade de reposição. Algodão orgânico, modal, liocel (Tencel) e fibras recicladas são boas opções, pois causam menos impacto no meio ambiente. Vale priorizar itens atemporais e versáteis, para evitar compras por impulso.
Para colocar isso em prática:
- Confira a etiqueta de composição para fazer escolhas mais sustentáveis, como peças de fibras renováveis, recicladas ou biodegradáveis.
- Busque selos de certificação como GRS (Global Recycled Standard), OEKO-TEX Standard 100, Bluesign®, GOTS, Fair Trade, BCI, dentre outros.
- Dê preferência a marcas transparentes quanto à sua cadeia produtiva e seu impacto ambiental.
- Reaproveite roupas em brechós ou trocas coletivas.
- Escolha qualidade e durabilidade para reduzir reposições frequentes.
Moda e sustentabilidade podem andar juntas. O verdadeiro “vestir bem” vai além de estilo e passa pela consciência social e ambiental. O futuro desse setor não está na velocidade do descarte, mas na certeza de que nossas escolhas moldam o mercado e podem gerar um impacto positivo para as pessoas e também para o planeta.
*Karen Prado – Head de Inovação na Insider, PhD em materiais avançados e especialista em tecnologia têxtil e sustentabilidade. Abaixo, links correspondentes a outros artigos enviados ao #OxeRecife para publicação.
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