Um fenômeno tem acontecido com mais recorrência no Brasil: pessoas acima de 60 anos estão escrevendo e estreando como autores. A velhice está em grande pauta nos dias de hoje, mas esse olhar é relativamente novo, pois há poucas décadas essas pessoas viviam no ostracismo, relegadas não apenas a uma aposentadoria profissional, mas sobretudo a uma aposentadoria de ideias, vivências e prazeres.
Com isto, a arte de contar e escrever histórias tem sido um dos percursos para fazer da velhice um momento de autoconhecimento. A escrita possibilita que olhemos para dentro de nós ao trazer à tona memórias afetivas. E, com essas lembranças, podemos compartilhá-las por meio de contos, novelas, crônicas e romances.
Além disso, a escrita criativa estabelece uma relação entre criador e criatura que traz ganhos para todos. No caso dos idosos, esse ganho pode ser ainda maior, porque há a certeza de que essa ação romperá com mais uma casca na sua jornada de vida: a da velhice anônima ou improdutiva.
Escrever é uma prática de bem-estar capaz de promover maior inserção de pessoas idosas na sociedade. Permite ampliar o processo de reserva cognitiva e a consequente melhora da autoestima. Também se torna um exercício de cidadania e de autonomia por aqueles que, na maioria das vezes, são vistos como ultrapassados. Mas, mesmo assim, continuam sendo sujeitos de direitos.
Ler, escrever e contar causos são essenciais para a manutenção da saúde e da qualidade de vida de todas as pessoas em fase de envelhecimento. Não é para menos que várias comunidades ligadas à saúde mental incentivam pacientes idosos a praticarem atividades física e intelectual. O exercício diário de escrever obriga a pensar, lembrar, ler, pesquisar, e isso estimula os neurônios. A arte da escrita de contos, novelas, roteiros e romances de quaisquer gêneros literários permitem ao próprio autor interagir com dilemas morais, crises de identidade, medos, traumas, preconceito e outros aspectos da psique humana. São forças motoras para atenuar a própria depressão e melancolia, expressando emoções, mal-estar e aceitação de si.
Ao escrever um conto, por exemplo, sobre experiências vividas, alegres ou dolorosas, transformando pessoas reais em personagens, poderá ter um resultado surpreendente ao idoso. Isso porque ele traz um novo reconhecimento de si próprio que, através de narrativas, poderá expressar situações reais com personagens fictícios.
Pessoas que, ao se aposentarem, não socializam e não se expressam têm mais dificuldades em criar reserva cognitiva, responsável por atenuar sintomas de alterações cerebrais degenerativas. A falta de reserva cognitiva de memória, a incapacidade de expressar ou escrever sobre os próprios sentimentos e emoções, afetam o psíquico e o físico do idoso.
Porém, a solução pode estar justamente no aprendizado da escrita criativa, para que o idoso escreva, reescreva, registre histórias de vida, construa narrativas, melhore seu humor, reduza seu estresse, construa um sentimento de pertencimento. E, acima de tudo, seja mais feliz.
*Aos 61 anos, L. Domingos Dalabilia é advogado e autor do livro “Meninos morrem de medo”
Nos links abaixo, você confere outros artigos enviados ao #OxeRecife, para publicação. Daqui a pouco, confira também, no #OxeRecife, post sobre o lançamento do livro “Espanador não levanta poeira“, de Vera Lúcia da Silva, 62, empregada doméstica que relata a invisibilidade e humilhações ao longo de 50 anos de profissão.
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Edição: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Divulgação
Excelente artigo do Domingos Dalibilia!
Ler,escrever e contar histórias são essenciais no processo de envelhecimento, contribuindo para o resgate das memórias afetivas, no compartilhamento das sua experiências,na superação de traumas e conflitos guardados ao longo vida no inconsciente. Manter a cognição ativa ao longo da vida é uma experiência inigualável que ,certamente, trará mais felicidade para o idoso.
Parabéns ao #OxeRecife por dar espaço à publicação dos artigos enviados.