Artigo: Porque o Brasil é terreno fértil para Reborns e Bets, por Rafael Terra*

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Vivemos em um país hiperconectado, mas emocionalmente exausto. A cada scroll, nos deparamos com extremos: de um lado, adultos cuidando de bebês reborn como se fossem reais. Do outro, influenciadores vendendo ilusões de riqueza com BETS, como se a vida mudasse em dois cliques. À primeira vista, parecem fenômenos distintos. Mas são faces do mesmo colapso: a substituição do real pelo simbólico na tentativa de anestesiar um mal-estar coletivo.

No livro Bem-Estar Digital (DVS Editora), apresento uma reflexão essencial: quando a tecnologia passa a regular nossas emoções, desejos e vínculos, deixamos de viver — e começamos a simular. O bebê reborn não chora, mas preenche um vazio afetivo. A BET não resolve, mas oferece uma ilusão de controle financeiro. Ambos se alimentam das mesmas dores: solidão, ansiedade e insegurança. E ambos são explorados por sistemas que lucram com a fragilidade humana. As BETS ativam gatilhos mentais como escassez, prova social e o mais potente: a imaginação de um futuro melhor. Já o reborn ativa o desejo de afeto incondicional — algo raro em tempos líquidos e relações descartáveis. Em comum, está o apelo emocional: “a vida não está fácil, então escape para esse universo onde tudo é possível.” Seja num bebê de silicone ou num link de aposta.

O mais preocupante é que esses fenômenos não nascem da fantasia — nascem da falta. Falta de laço, de pertencimento, de direção. O bebê reborn se tornou um símbolo da regressão afetiva, da tentativa de controlar o amor sem risco. As BETS, por sua vez, são o novo escapismo financeiro — um cassino disfarçado de app.

Bets e reborns oferecem uma “solução” digital para dores profundamente humanas. E o Brasil é terreno fértil para isso: alto índice de ansiedade, desigualdade, esgotamento emocional e dependência de redes sociais. Quando o digital se torna o único espaço possível de realização — emocional ou financeira — o risco é perder o contato com a realidade. E isso é exatamente o oposto do bem-estar digital: é o adoecimento emocional embalado com algoritmos. A pergunta que precisamos fazer como sociedade não é “por que isso virou moda?”, mas “o que estamos negando, evitando ou fugindo para que isso se torne necessário?”

Porque enquanto rimos de quem adota um reborn ou critica quem aposta, ignoramos que todos estamos inseridos em uma lógica que estimula o excesso, a simulação e o alívio imediato — a qualquer custo. Estamos apostando demais. Em amores que não existem. Em riquezas que não chegam. Em promessas que só funcionam no feed. Enquanto isso, o que nos tornava humanos — o toque, a conversa, o vínculo, o silêncio — está sendo esquecido.  O verdadeiro colapso não está nos extremos. Está na normalização de uma vida onde o digital virou o único lugar seguro para sonhar.

*Rafael Terra é autor do livro Bem Estar Digital. Abaixo, links sobre outros artigos enviados ao #OxeRecife para publicação.

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Edição: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Divulgação

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