Há mais de duas décadas vivencio todos os dias o que é de fato a Amazônia. Quando me mudei do Rio Grande do Sul para a cidade de Rorainópolis (RR), encontrei uma floresta intocada. Representando a maioria do território amazônico, a minha nova morada contava com espécies de pássaros que sobrevoavam as castanheiras, bananeiras, açaís, pupunhas, andiroba, que se espalhavam pela paisagem. Mas esse cenário ficou cada vez mais raro.
Hoje, testemunho profundas mudanças na região. Vivemos os tempos em que o maior bioma do mundo é ameaçado por desmatamentos, queimadas e garimpos. Não só a fauna com espécies únicas está perecendo, mas também a flora, a vegetação de propriedades medicinais, nutritivas e artesanais – que significa o sustento de muitas pessoas desta imensa comunidade. Entre as plantas medicinais que tratam a malária e outras doenças, estão o algodão roxo, o picão, o fedegoso, o jucá, a moringa, crajiru e tantas outras, porém, parte delas desapareceu com a derrubada das árvores. O que antes se encontrava no quintal de casa, hoje são necessárias longas caminhadas para conseguir, como exemplifico no meu livro “Amazônia e seus encantos”.
A vida selvagem se perdeu quase por completo. Os macaquinhos que costumavam se aventurar até a beira da estrada sumiram por completo. As sucuris reconhecidas por fornecerem uma banha extremamente medicinal, que serve para curar feridas e questões femininas, como eles dizem por aqui “as doenças internas de mulher”, inclusive, o câncer, aparecem mortas pelas queimadas. O sul de Roraima, onde moro, é a região de maior desmatamento do estado.
Onde foi parar toda essa biodiversidade? Essas áreas foram desmatadas, incendiadas, loteadas, doadas ou vendidas. Parte desses crimes são fruto da troca de votos em época de eleição. Outras motivações giram em torno da grande agricultura, da ganância por minério, entre outras atividades que exploram sem se preocupar com o amanhã. As consequências são alarmantes. Conforme os habitats naturais são destruídos há um empobrecimento da biodiversidade global, ceifando plantas que, muitas vezes, ainda não foram estudadas e, assim, eliminam potenciais descobertas a favor da medicina, além de assolear os rios e igarapés.
Em uma comunidade indígena do Amajari, apesar das vivências incríveis, uma triste realidade me afetou como pessoa e bióloga. A abundância de insumos para as tradicionais garrafadas, pomadas, xaropes e outros produtos confeccionados por eles, não é mais uma realidade fácil de encontrar. Este é o cenário trazido pelas queimadas e desmatamentos. O restabelecimento da vegetação nativa após esses eventos é um processo demorado e, além de desestabilizar o equilíbrio ecológico e afetar os ciclos de polinização, prejudica a saúde, a alimentação e, até mesmo, o sustento dos povos nativos.
A Amazônia é um bem da humanidade. Toda a mata tropical deve ser cuidada e preservada pelos países por onde passa. Todo o bioma está interligado e as políticas de sustentabilidade e conservação podem evitar a perda irreversível da ecologia global. Até quando? Em que momento faremos a diferença e nos salvaremos?
* Salete Ferro – bióloga e autora da obra “Amazônia e seus encantos”
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Edição: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Divulgação
A preservação da Amazônia passa,necessariamente, pela determinação soberana de proteção, vigilância e segurança das nossas fronteiras.E ,vamos admitir,o país tem fechado os olhos para as diversas irregularidades que avançam na Amazônia,como tráfico de drogas,garimpo, desmatamento etc.
Falta estrutura material e de recursos humanos para cumprir a missão. Mas falta,sobretudo, coragem e vontade política para enfrentar o problema.O triste resultado, que culmina com a extinção de espécies animais,está descrito com muita propriedade pela bióloga Salete.
Triste realidade. Ganância, sede de poder, ignorância, são os principais ingredientes para a destruição da natureza. Amazônia, cerrado, são os mais violentados e a humanidade, agoniza.