A presença crescente dos bebês reborn na vida adulta exige uma reflexão: quando o acolhimento simbólico se transforma em obstáculo para a saúde emocional? Em um mundo onde a solidão, o luto e as perdas emocionais se tornaram ainda mais intensos, os chamados bebês reborn — bonecos hiper-realistas que imitam com precisão um recém-nascido — ganharam um novo status. Mais do que brinquedos, passaram a ser companheiros de adultos que, em muitas situações, enfrentam lutos, traumas ou dores relacionadas à maternidade.
Ainda que, à primeira vista, o ato de adotar um bebê reborn possa parecer um recurso inofensivo para oferecer acolhimento emocional, a psicologia clínica adverte: quando essa substituição simbólica se torna prolongada ou intensa demais, há risco de prejuízos significativos para a saúde mental. Os bebês reborn, em certos contextos, funcionam como objetos transicionais, ou seja, elementos que ajudam a lidar com a dor emocional. No entanto, se esse vínculo se cristaliza, impedindo a pessoa de elaborar suas perdas ou seguir com a vida real, entramos em um campo de patologização do luto e da negação da realidade.
Um dos exemplos mais delicados envolve mulheres que enfrentam dificuldades para engravidar. Nesses casos, o uso do bebê reborn pode inicialmente aliviar o sofrimento. Entretanto, se o vínculo se transforma em uma fixação, substituindo de forma permanente a busca por elaborações emocionais mais profundas, surgem riscos de agravar quadros como depressão, transtornos de ansiedade ou até transtornos dissociativos.

Outro ponto de atenção é a solidão contemporânea, que favorece o surgimento de vínculos intensos com objetos inanimados como forma de suprir necessidades afetivas. É compreensível que, diante da falta de suporte social ou familiar, a pessoa busque alternativas emocionais. Mas é essencial que haja acompanhamento psicológico para garantir que o bebê reborn não se torne um substituto permanente para relações humanas.
A psicologia não condena o uso dos bonecos. Pelo contrário: reconhece seu valor simbólico como instrumento temporário de acolhimento e reconstrução emocional. A questão central está na vigilância sobre o tempo e a função que esse objeto passa a ocupar na vida da pessoa. Quando o bebê reborn é um recurso dentro de um processo terapêutico, ele pode ser muito útil. O problema surge quando ele se transforma em uma prisão emocional, impedindo que o indivíduo elabore suas perdas, estabeleça novos projetos de vida e se reconecte com o mundo real. Em tempos de vínculos frágeis e dores invisíveis, os bebês reborn revelam uma realidade urgente: a necessidade crescente de acolhimento emocional verdadeiro, que respeite a complexidade dos lutos e das ausências — e que estimule, sempre que possível, o resgate da capacidade de viver plenamente.
Roberta Passos*atua há mais de 14 anos como Psicóloga Clínica e Psicopedagoga, com especialização em Neuropsicologia pelo IPQ-FMUSP. Atende crianças, adolescentes e adultos em diversas queixas, entre elas dificuldades de aprendizagem. Nos links abaixo, confira artigos sobre diversos assuntos, enviados ao #OxeRecife para publicação.
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Edição: Letícia Lins / #OxeRecife
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