Artigo: “A psicologia não condena o uso de bonecos, como os bebês reborn, mas…”, por Roberta Passos*

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A  presença crescente dos bebês reborn na vida adulta exige uma reflexão: quando o acolhimento simbólico se transforma em obstáculo para a saúde emocional? Em um mundo onde a solidão, o luto e as perdas emocionais se tornaram ainda mais intensos, os chamados bebês reborn — bonecos hiper-realistas que imitam com precisão um recém-nascido — ganharam um novo status. Mais do que brinquedos, passaram a ser companheiros de adultos que, em muitas situações, enfrentam lutos, traumas ou dores relacionadas à maternidade.

Ainda que, à primeira vista, o ato de adotar um bebê reborn possa parecer um recurso inofensivo para oferecer acolhimento emocional, a psicologia clínica adverte: quando essa substituição simbólica se torna prolongada ou intensa demais, há risco de prejuízos significativos para a saúde mental. Os bebês reborn, em certos contextos, funcionam como objetos transicionais, ou seja, elementos que ajudam a lidar com a dor emocional. No entanto, se esse vínculo se cristaliza, impedindo a pessoa de elaborar suas perdas ou seguir com a vida real, entramos em um campo de patologização do luto e da negação da realidade.

Um dos exemplos mais delicados envolve mulheres que enfrentam dificuldades para engravidar. Nesses casos, o uso do bebê reborn pode inicialmente aliviar o sofrimento. Entretanto, se o vínculo se transforma em uma fixação, substituindo de forma permanente a busca por elaborações emocionais mais profundas, surgem riscos de agravar quadros como depressão, transtornos de ansiedade ou até transtornos dissociativos.

Bebês reborn caíram no gosto das mulheres, ganharam as redes sociais e preocupam psicólogos

Outro ponto de atenção é a solidão contemporânea, que favorece o surgimento de vínculos intensos com objetos inanimados como forma de suprir necessidades afetivas. É compreensível que, diante da falta de suporte social ou familiar, a pessoa busque alternativas emocionais. Mas é essencial que haja acompanhamento psicológico para garantir que o bebê reborn não se torne um substituto permanente para relações humanas.

A psicologia não condena o uso dos bonecos. Pelo contrário: reconhece seu valor simbólico como instrumento temporário de acolhimento e reconstrução emocional. A questão central está na vigilância sobre o tempo e a função que esse objeto passa a ocupar na vida da pessoa. Quando o bebê reborn é um recurso dentro de um processo terapêutico, ele pode ser muito útil. O problema surge quando ele se transforma em uma prisão emocional, impedindo que o indivíduo elabore suas perdas, estabeleça novos projetos de vida e se reconecte com o mundo real. Em tempos de vínculos frágeis e dores invisíveis, os bebês reborn revelam uma realidade urgente: a necessidade crescente de acolhimento emocional verdadeiro, que respeite a complexidade dos lutos e das ausências — e que estimule, sempre que possível, o resgate da capacidade de viver plenamente.

Roberta Passos*atua há mais de 14 anos como Psicóloga Clínica e Psicopedagoga, com especialização em Neuropsicologia pelo IPQ-FMUSP. Atende crianças, adolescentes e adultos em diversas queixas, entre elas dificuldades de aprendizagem. Nos links abaixo, confira artigos sobre diversos assuntos, enviados ao #OxeRecife  para publicação.

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Edição: Letícia Lins / #OxeRecife
Foto: Divulgação

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