Infelizmente o cuidado com a natureza não tem sido a marca dos polos de confecções existentes no Nordeste. Basta dar uma volta por municípios como Toritama, Santa Cruz do Capibaribe, Caruaru (no Agreste de Pernambuco) ou São Bento (no Sertão da Paraíba) para se observar nuvens de plásticos voando, pedaços de linhas, tiras de pano enganchados, muitas vezes, nos galhos da caatinga. Em Toritama – a 167 quilômetros do Recife – o problema é ainda mais grave, porque é comum que as águas descartadas pelas lavandarias de jeans terminem parando no Rio Capibaribe. Há algum tempo, quando estive na cidade, o leito do nosso rio era azul escuro, por conta da descarga de tinta que recebia das lavagens do tecido blue. Então, nós – jornalistas – temos mais é que divulgar os bons exemplos, alguns dos quais ocorrem no interior e que praticamente são desconhecidos pela população da capital. Anote o nome de um deles: Daterra Project, que acaba de ser agraciado com o Prêmio Fashion Futures, de ninguém menos do que o Instituto C&A.
Funcionando na cidade de Riacho das Almas – a 131 quilômetros do Recife – o Daterra Project tem que ser reconhecido em dobro. Primeiro porque reaproveita sobras de tecidos descartadas pelas fábricas de confecções que iriam poluir a natureza, sendo atiradas aos lixões. Segundo, porque dá ocupação a artesãos e artesãs da Vila do Vitorino, onde a população vivia praticamente da produção de móveis e utensílios artesanais à base do cipó. Com o excesso de demanda, o cipó começou a escassear. E sem matéria prima, os moradores da localidade não tinham como se ocupar. As sobras dos jeans são transformadas em novos tecidos, com trabalho 90 por cento artesanal. E estes são comercializadas com grifes de produtos sustentáveis, que as transformam em bolsas, sapatos e outros objetos de uso pessoal. “Fornecemos quase toda produção para lojas destinadas ao público vegano”, afirma Adjane Maria Alves de Souza, Diretora e idealizadora da marca Daterra.
Não é à toa, portanto, que o projeto de desenvolvimento de tecidos sustentáveis tenha sido o vencedor da categoria Negócio de Impacto Social, em premiação nacional conferida pelo Instituto C&A. O prêmio, de R$ 30 mil, foi anunciado no final de 2021, em meio a uma disputa de 323 inscritos de todo o país. Foram selecionados quatro iniciativas e uma personalidade que receberam ao todo R$ 180 mil, para “pensar o futuro da moda”, segundo a C&A. Tomara que o negócio cresça para empregar muita gente e também por conta da sustentabilidade. Pensem em quanto a natureza seria poupada, com iniciativas como a do Daterra. “Matéria prima” é o que não falta, pois só em Toritama, as fábricas de confecções de jeans somam cerca de 2.500.
Por enquanto, o negócio ainda não é grande. Pois reaproveita por ano uma tonelada de tecidos que seriam jogados no lixo. Eles são recolhidos nas empresas. Em em Riacho das Almas, são transformados em novos tecidos. A atividade ocupava 16 pessoas até antes da pandemia. “Com a paralisação das atividades devido ao coronavírus, ficamos só com cinco pessoas, infelizmente”, conta Adjane. Mas isso vai mudar. “Estamos em negociações com um novo cliente”, diz ela. O nome da empresa ainda não pode ser revelado. Mas é provável que o projeto inicie 2022 a todo vapor, “com 30 pessoas trabalhando na produção”.
Por enquanto, o Daterra ainda não produz objetos. Fornece o tecido para clientes que os transformam em utensílios de uso pessoal. “Nós ofertamos o tecido, para o produto que eles vão desenvolver”, diz Adjane. Ela também é artesã. Trabalhava com diversos tipos de materiais, até que em 2002 decidiu montar o negócio, ao ver as montanhas de sobras de jeans que eram descartadas pelas fábricas do Agreste, onde fica o segundo maior polo têxtil do país. “O objetivo é dar oportunidade para garantir o desenvolvimento de comunidades menos favorecidas da região”, diz ela
“Nosso produto foi testado em sapatos, bolsas, roupas e outros objetos”, acrescenta ela, enquanto conversa com o #OxeRecife, usando sapatinhos fabricados com o tecido produzido pelo Daterra. Por enquanto, a maior parte da clientela do projeto é do Sul do Brasil. “O público vegano se preocupa não só com a alimentação, mas também em produzir o mínimo de lixo, valorizando muito os produtos marcados pela sustentabilidade e é aí que nosso produto entra”, diz. Se todos seguissem o exemplo de Adjane a situação da natureza seria bem mais confortável.
Parabéns à Daterra e também à C&A, por dar visibilidade a trabalhos como o realizado em Riacho das Almas. Veja quais são os outros premiados: Liga Transforma Moda Sustentável, na categoria Design Sustentável (Bahia); Ateliê TRANSmoras, coletivo de Campinas (SP), na categoria Projeto Social; Las Comas Confecção Comércio e Serviços (SP), na categoria Tecnologia. Em Personalidade da Moda, foi contemplada Carol Barreto (BA), criadora do Projeto Modativismo.
Abaixo, você pode conferir informações sobre Riacho das Almas e outras iniciativas, que no Brasil poupam a natureza
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos: Divulgação / Daterra Project e C&A