Ameaçado, Sagrada Família pode virar IEP (imóvel especial de preservação)

A notícia de que o tradicional Colégio da Sagrada Família vai fechar as portas em dezembro de 2020 não pegou de surpresa os moradores da Zona Norte. Desde o ano passado, que circulam comentários insistentes de que o educandário cristão estava com seus dias contados. O que também colocaria em risco o secular conjunto arquitetônico em que ele funciona. Mas só a partir da semana  passada, com a divulgação oficial da notícia do encerramento das atividades  foi que começou a mobilização contra a derrubada do prédio de 113 anos e de sua graciosa capelinha. Na Internet foi lançado um abaixo-assinado conclamando a população a lutar pela preservação dos imóveis do Sagrada Família, um dos poucos que preservam a arquitetura do século passado na Praça de Casa Forte, onde os casarões foram substituídos por espigões.

No caso do Sagrada Família, ainda não se sabe o que será dele. Na Internet, está rolando uma campanha “a fim de não ficarmos assistindo a mais uma perda de um imóvel de tamanho valor, não só para os moradores do bairro e ex alunos dessa instituição de ensino secular, como para os cidadãos recifenses”. O documento pede à Prefeitura que transforme o prédio em Imóvel Especial de Preservação, o que garantirá a “preservação desse exemplar de magnífica importância”. Até a manhã de hoje já havia três mil apoiadores à iniciativa, a qual também subscrevi. O Sagrada Família foi meu primeiro colégio, e onde aprendi as primeiras letras. Assim como muita gente da minha e de gerações anteriores. Minha mãe e minhas tias todas passaram por lá.  Durante muito tempo, o colégio só recebia estudantes do sexo feminino. Era um colégio para “meninas e moças”.   Mas ele pode se transformar em imóvel especial de preservação.

A Praça de Casa Forte perdeu imóveis antigos. A ameaça mais recente é o Sagrada Família, de 113 anos.

É que o prefeito Geraldo Julio  (PSB) acaba de informar que decidiu indicar o conjunto arquitetônico do colégio como Imóvel Especial de Preservação (IEP), de acordo com a lei Municipal de n° 16.284/97.  Vamos torcer para que o processo ande com rapidez, e que não ocorra o que houve com outros imóveis igualmente importantes cujas demolições são questionadas até hoje por arquitetos e urbanistas. Segundo nota oficial, “a iniciativa está alinhada com o processo já iniciado pela Prefeitura do Recife com a criação do Plano de Ordenamento Territorial, no qual a Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural  propôs atualização das Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural (ZEPH), que foram renomeadas para Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Cultural (ZEPP), possibilitando uma abrangência maior do rico acervo patrimonial da cidade.

As propostas, inseridas no âmbito da atualização da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), incluem também a ampliação de polígonos de ZEPH existentes e a criação de novas Zonas em vários bairros da cidade, incluindo o bairro de Casa Forte. No entanto, essas iniciativas, que contemplarão não só imóveis isolados, mas sim áreas urbanas, dependem da aprovação do Plano Diretor, que se encontra há dois anos aguardando votação na Câmara Municipal do Recife. Conforme a Lei, para realizar a classificação do imóvel como IEP é necessária a elaboração de um parecer técnico da DPPC para avaliar se ele preenche os requisitos exigidos. Depois de elaborado, o parecer é submetido ao Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) que vota pela sua inclusão, ou não, no rol de IEPs por meio de Decreto Municipal.

A análise do parecer sobre o imóvel do Colégio da Sagrada Família pelo CDU está prevista para acontecer na próxima reunião do Conselho, que deve acontecer no fim do mês de novembro. A Prefeitura do Recife informa que, desde 2013, classificou 107 imóveis como Imóveis Especiais de Preservação. Em 1997, quando foi promulgada a Lei Municipal 16.284, foram classificados 154 imóveis como IEPs. Até o início da atual gestão, apenas mais 2 imóveis foram classificados como Especiais de Preservação pelo município. O Colégio da Sagrada Família faz parte de uma congregação francesa fundada por Santa Emília de Rodat e se instalou no local atual, terras do antigo Engenho Casa Forte, desde 1907. O imóvel, composto por convento, colégio e capela, encontra-se preservado e está localizado ao fundo da Praça de Casa-Forte. Além de considerada jardim histórico, a Praça foi  recentemente tombada pelo Iphan, como obra do Paisagista Burle Marx (1936), formando junto com a Igreja de Casa Forte um importante conjunto arquitetônico da Zona Norte do Recife. Tomara que o  prédio seja mesmo preservado. Porque a Praça de Casa Forte jamais será a mesma sem a presença do Sagrada Família. O temor, no entanto, é que mesmo sendo um IEP   (ou a caminho de se transformar em um) o imóvel vire entulho como tantos outros do Recife, como foi o caso da Casa de Saúde São José, no mesmo bairro.

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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife

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