Águas pluviais X Esgoto doméstico: Quando tudo se mistura sob o chão

Em alguns locais, como Paris, as tubulações de esgotos são tão organizadas, que os subterrâneos da cidade luz até se transformaram em atração turística. Há passeios que mostram como o sistema que começou a ser implantado há tantos séculos funciona tão bem, ainda hoje. Claro, com as adequações necessárias, à medida que a capital francesa foi crescendo. Os organizados esgotos de Paris inspiraram um dos  mais famosos escritores, Victor Hugo (1802-1885), que tanto neles fala em sua obra mais conhecida, Os Miseráveis.

Há quem diga que sob a Cidade Luz há uma outra cidade, justamente a de tubulações, e onde fica o Museu do Esgoto. Nada tão palpitante para o turista quanto a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo ou um passeio de barco no Rio Sena. Mas o fato é que, dizem, os esgotos são organizados, possuem números por quarteirão e fica fácil, por exemplo, você localizar um objeto pequeno que tenha caído pelo ralo da pia. É  só telefonar para a Companhia de Saneamento de lá, dar o endereço, e o objeto é localizado. Bem, é o que dizem alguns franceses e textos sobre o assunto.

Moradores de Boa Viagem dizem que essa língua negra é uma mistura de esgoto doméstico com água da chuva.

Mesmo que não funcione com essa perfeição, fica difícil, por exemplo imaginar que lá ocorra uma situação como a que a gente vê nas ruas do Recife.  Esgotos estourados em quase todas as esquinas, tanto em bairros populares quanto nos mais sofisticados.  E, pior, a mistura de águas da chuva com dejetos o que, definitivamente, é um horror. Inconcebível para o século 21. Nesta semana, durante minha caminhada matinal, me defrontei com uma série de obras na Avenida Dezessete de Agosto, onde a Operação Verão fez buracos no asfalto para desentupir galerias pluviais, preparando-as para o inverno que se aproxima. Pois sabem o que aconteceu, defronte do Condomínio de luxo Ilha de Sardenha?  No buraco cavado pela Emlurb,  onde deveria ter apenas tubos de águas pluviais, tinha esgoto transbordando até o asfalto e escorrendo junto ao meio fio.

Uma fedentina miserável, a avenida se transformando em uma fossa e acarretando o risco de banho de água suja nos pedestres que transitam na calçada. Ou seja, em área considerada nobre, ligação clandestina de esgoto, misturando água de chuva com esgoto doméstico. E dali, claro, escoa sem tratamento para o rio e depois para o mar.  Isso na Zona Norte. Mas na Zona Sul, na  praia de Boa Viagem, dizem os moradores, há muitos locais com problemas como esse. Na própria avenida que fica na orla, é possível observar-se esgoto escorrendo no asfalto.  Perguntei à Emlurb se esse tipo de ocorrência – mistura de galeria pluvial com esgoto doméstico – é frequente no Recife. “Sim. Isso é bem comum, ligação clandestina de esgoto com a rede pluvial”. E nada mais foi informado. Pelo que se vê, a bagunça nos subterrâneos do Recife é mais frequente do que a gente pensa. Ou seja, normal. E vista com tolerância, um descalabro. Cadê a Compesa, o Ministério Público e a Cprh? Ninguém não faz nada não? Ninguém leva multa? A bagaceira fica assim mesmo? E nossas contas são pagas para quê?

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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife

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