Enfim, parece que o verão chegou. Sol quente, pouco vento, praia muito mas muito cheia. De gente, claro. Ainda mais porque a maré estava muito alta e a faixa de areia fica estreita. Costumo ir bem cedinho, para caminhar, tomar um banho de mar sossegada e conversar. Na água ou na areia. Quando não aparece ninguém, nenhum “praeiro ou praeira” de plantão, tenho sempre um livro à mão, daqueles que não exigem esforço nem concentração. Só diversão.
Hoje precisei de um livro mais leve ainda. Porque perdi a hora e cheguei na praia depois do horário que costumo. Então, a algazarra já era grande. O que incomoda, mesmo, é a poluição sonora. Porque cada guarda-sol tem o seu sonzinho. Haja saco. O pior é que as músicas são daquelas que doem até nos ouvidos. Lembrei por isso de Gilberto Marques. É que o advogado era daqueles que, como eu, gostava de chegar cedinho. quando a praia é mais tranquila e ainda impera o silêncio. Ele dava umas braçadas, alguns mergulhos e voltava para casa. Não sem antes soltar umas boas gargalhadas.
Às vezes, dávamos caminhadas no calçadão, enquanto conversávamos. Provavelmente porque o coração já não suportava muito esforço, ele nunca completava o percurso. Tinha o ritmo diferente do meu, que é apressado. O dele, muito lento. Quando percebia que podia atrapalhar minha velocidade, parava no meio do caminho e voltava para a frente do Edifício Ana Celina, onde o banho de mar é tranquilo. Eram tantas histórias, normalmente ligadas à sua profissão, aos júris, aos acusados, aos políticos. Também gostava de falar na Comissão da Verdade, da qual fez parte. Dava gargalhadas altas. E eu também. Às vezes, eu percebia que as pessoas por perto queriam participar da conversa, para rir também. E acontecia. De repente, aproximavam-se os amigos da barraca onde a turma se encontrava, no dominó, na cerveja, nas comemorações mensais de aniversário dos frequentadores do pedaço.
Conheci Gilberto nos tempos do Jornal do Brasil, quando acompanhei na Justiça o desenrolar do Escândalo da Mandioca, que motivou o assassinato de um Procurador da República, Pedro Jorge. Gilberto foi advogado da família da vítima. Como jornalista, muitas vezes tive que entrevistá-lo, à frente de casos rumorosos em que funcionou como advogado. Fomos entrevistados para o vídeo Pedro Jorge, uma vida pela Justiça, que acaba de ser traduzido para o inglês, e que mostra a trama criada para assassinar o procurador que denunciara envolvidos em uma fraude milionária contra o Banco do Brasil. Gilberto, nós que adoramos o mar, sentiremos falta de você e de suas histórias na praia. Hoje, como cheguei tarde, Boa Viagem não era a mesma. Faltava o silêncio do início da manhã e suas as gargalhadas, rindo dos causos que você costumava contar. Vá em paz, amigo.
Leia também:
Boa Viagem tem #Xodó
“Escândalo da Mandioca” no São Luíz
Debate sobre o Escândalo da Mandioca
Vídeo sobre procurador assassinado mobiliza universidade
Boa Viagem ganha exposição de fotos
Plásticos poluem Boa Viagem
Mutirões espontâneos contra o lixo
Boa Viagem: asfalto agora tem dono
A praia de Boa Viagem está limpa?
Ação contra exploração em Boa Viagem
Calçadas para carros em Boa Viagem
Boa Viagem com a cor do PSB
Há risco de tubarão em mar protegido?
Texto e foto: Letícia Lins / #OxeRecife