Nesses tempos de pós carnaval, em que na Bahia os trios elétricos colocam em evidência dois tipos de foliões – os que pagam para seguir os trios elétricos e os que não pagam (chamados de pipocas) – gostaria de enfatizar, aqui, outro tipo de pipoca, muito comum em Salvador: a pipoca sagrada. Com ela, até se toma banho, para limpar o corpo, fugir das mazelas, ter boa saúde, fazer e alcançar pedidos. Em recente viagem a Salvador, depois de me fazer andar um tempão sob o sol escaldante, meu amigo/irmão Fernando Batista me reservou uma “surpresa”. Adivinhem só o que era… Um banho de pipoca, na frente da Igreja de São Lázaro, no bairro da Federação, que fica a cinco quilômetros do centro de Salvador.
Ele já havia me dito que, chegando lá na Bahia, eu teria que tomar um banho de pipoca. Julguei tratar-se de uma brincadeira. Mas, hoje, confesso minha ignorância. Nos rituais do candomblé, o banho de pipoca tem seus significados. Até porque a pipoca representa as flores de Omulu, orixá que tem domínio sobre a saúde e as doenças, motivo pelo qual foi associado pelo catolicismo a São Lázaro. “Logo, as pipocas, enquanto vistas como flores de Omulu, são utilizadas para limpeza espiritual de corpos, ambientes e objetos”, conta meu amigo, que agora está morando em Salvador, fazendo doutorado em Sociedade e Cultura, na Universidade Federal da Bahia.
Em Salvador, o banho de pipoca é muito corriqueiro, enquanto no Recife a gente praticamente não ouve falar dele. A pipoca utilizada nesses rituais não tem óleo nem sal . É comum que se chegue à Igreja de São Lázaro e se encontre motoristas de táxi colocando pipoca sobre eles e também sobre seus automóveis, como forma de proteger a ambos. Na primeira segunda-feira do ano, a Igreja de São Lázaro enche de fiéis. É que no Candomblé, a segunda-feira é o dia mais dedicado aos orixás Exu e Omulu. E as baianas ficam em quantidades maiores em suas escadarias, para benzer as pessoas e lhes garantir saúde e boa sorte. Com o banho de pipoca, claro.
Mas o ritual acontece a qualquer dia do ano. É chegar lá e ver a quantidade de pipoca espalhada pelo chão. Ou seja, de muita gente que já passou por lá para tomar o banho. Nas escadarias do templo, em Salvador, tomei meu banho de pipoca. Uma baiana bem idosa me cobriu com os flocos de milho, enquanto dizia uma oração, com um maço de folhas que me varriam o corpo. A ideia é que ficasse com mais saúde, mais forte, com mais sorte. Todos os anos, no mês de agosto, a Igreja de São Lázaro é o ponto final da famosa procissão soteropolitana em reverência ao santo católico e ao orixá, seguida por membros do Candomblé. E haja pipoca! Nos blocos de carnaval, e também na fé.
Veja o vídeo do banho de pipoca que tomei em Salvador:
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Texto: Letícia Lins / #OxeRecife
Fotos e vídeo: Fernando Batista / Cortesia