A história de Daniel: esforço, persistência, superação e… injustiça

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Vejam só que história linda, que encontrei no município de Venturosa, a 249 quilômetros do Recife. Às vezes, as pessoas têm um colégio vizinho à residência, e não sabem valorizar. Nem sequer estudam. Esse, no entanto, não foi o caso de Daniel Totel de Oliveira, 63 anos. Morador do Distrito de Grotão, começou a trabalhar no roçado aos seis, como era comum naquela época. Ajudava o pai nos plantios de milho, feijão e palma. Mas não deixava de ir à escola, que era rústica e funcionava primeiro na casa da professora. E, depois, em um armazém. A turma era seriada (vários níveis em um grupo só). Mas ele foi em frente, assim mesmo. Na quarta série, teve que parar de estudar. “Acabei aos 13, mas na escola não havia quinta série”, lembra.

Aí tentou a quinta série na cidade de Capoeiras. Era muito sacrifício. Trabalhava na roça de manhã. Às 16h30, saía de casa, percorria duas horas a pé até a rodovia, para pegar transporte,  a fim de estar na classe às 19h. Às 22h, pegava a estrada de retorno, e chegava em casa por volta de meia noite. Não deu mais para continuar. E Daniel parou de estudar. “Tinha muita vontade de voltar aos bancos escolares, mas não tinha mais condição”, recorda. A tristeza era muito grande. Dezoito anos depois, já com 31, Daniel reencontrou a alegria de viver. A escola do distrito onde reside, passou a ter quinta série. “E foi aumentando até a oitava”, lembra. Quando estava na sétima série, fez concurso para Serviços Gerais, e passou a trabalhar na Escola Municipal Manoel Alves de Araújo, que fica no distrito onde reside desde criança. E na qual estudava.

Daniel (centro) entre dois alunos que poderiam ser seus colegas de magistério. Pós graduação, mas em “serviços gerais”.

Em 1991, terminou o ensino fundamental, e queria fazer o ensino médio. Aí foi para o Colégio Municipal José Soares de Almeida, em Capoeiras, onde estudou magistério e contabilidade. “Pedi à Prefeitura que arranjasse um carro, para quem precisasse estudar em Capoeiras”. Conseguiu. E viajava, todos os dias, 80 quilômetros. Quarenta para ir e quarenta para voltar. Depois, novo desafio: cursar a faculdade. Conseguiu.  Mas tinha que viajar para Arcoverde, distante 31 quilômetros de Venturosa. Trabalhava de dia na escola, onde passou a ensinar geografia. Ele não tinha concluído o curso, mas atuava como professor temporário, por solicitação da Prefeitura. “Dava aula  até  11h da manhã e, depois, voltava para casa, onde almoçava”,  lembra. “Após o almoço, ia a pé até a pista, para estudar na faculdade, em Arcoverde”. Aí, ficava difícil para retornar a pé, para casa, no meio da caatinga, durante a noite. “A primeira dama de Venturosa à época, Dona Dorinha, me cedeu uma casa no centro de Venturosa, só para dormir”,  conta. ”Às cinco da manhã, ia para a pista e de lá voltava a pé para casa, onde chegava às sete da manhã. Depois, ia dar aula”.

Muito esforço, não é? Valeu a pena? Valeu. Hoje Daniel tem o prazer de conviver com seus ex alunos, que já são professores da mesma escola onde estudou, na qual também ensinou e onde trabalha ganhando por “serviços gerais”. Do tempo de magistério, tem boas lembranças. “Boa parte do que sei devo a ele”, conta Isaque Oliveira, 26. Ionara Silva de Araújo, 31, também reserva elogios. “Era um bom professor de geografia”. E acrescenta:  “Acho injusto o que fazem com ele, gostaria muito que fosse meu colega de magistério”. Ionara tem razão. E o próprio Daniel se sente injustiçado. Já ensinou, já foi diretor da escola, mas permanece ganhando por “serviços gerais”. Quando ele ensinava, não havia professores de geografia disponíveis em Venturosa. Agora, há.

Há onze anos, quando foi realizado o último concurso, Daniel ainda não tinha concluído a faculdade. Ficou de fora. Nem mesmo é aproveitado como temporário, situação em que se encontra 80 por cento dos professores de Venturosa. E de fora do corpo de professores, permanece até hoje, embora já tenha até pós-graduação. O que é uma injustiça, para o tamanho do esforço que ele fez, para tentar chegar lá. No próximo dia 25, durante a reinauguração da escola, Daniel receberá uma homenagem da  Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel) e da Empresa Echoenergia, que fizeram parceria para reforma da escola.  Quem sabe, assim, as autoridades do município não enxerguem que chegou a hora de atribuir o valor devido a Daniel? Ele me-re-ce! Não só pelo esforço próprio, mas pela importância que atribuiu à educação. Do lado de Daniel, temos um exemplo de luta e de vida. E de falta de reconhecimento, por parte das autoridades.

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Texto e fotos: Letícia Lins / #OxeRecife

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